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    Como os cortes de bolsas afetam a vida de milhares de cientistas no Brasil
    Autor: Brasil de Fato - Pedro Stropasolas
    18/09/2019

    Crédito Imagem: Brasil de Fato

    Orçamento da Capes para 2020 não permite novas bolsas; 83 mil pesquisadores do CNPq podem ficar sem receber em outubro
     
    Doutorando do Instituto de Química da USP, Mateus Carneiro é um dos cientistas que esperam pela retomada das bolsas / Foto: Pedro Stropasolas

    Em sua cruzada contra a ciência e o conhecimento, o governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) tem um novo alvo estratégico: o fomento à pesquisa no Brasil.

    Com os cortes de verbas anunciados ao longo dos últimos meses, a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) podem interromper suas atividades.

    No início do mês de setembro um corte de mais 5.613 bolsas de estudos para pesquisas de pós-graduação – referentes a trabalhos de mestrado, doutorado e pós-doutorado – foi anunciado pela Capes.

    Na última quarta-feira (11), o Ministro da Educação, Abraham Weintraub, reduziu parcialmente o corte e anunciou que a Capes receberá R$ 600 milhões para a manutenção de 3.182 benefícios vigentes. O dinheiro, no entanto, abrange apenas os cursos com as melhores conceitos de acordo com a agência e será suficiente para bancar somente os atuais bolsistas.

    Se nada mudar, a Capes terá, em 2020, pouco mais de R$ 3 bilhões para custear as cerca de 215 mil bolsas de formação de professores, graduação, pós-graduação e intercâmbio.

    No total, a Capes já cortou 11.800 bolsas neste ano. Até o momento, 8.629 vagas em pós-graduações seguem travadas para novos alunos.

    Sem sustento

    “A partir do momento que não tem bolsa, não tem dinheiro, como eu vou me sustentar aqui, numa cidade como São Paulo?”, indaga Mateus Carneiro, doutorando no Instituto de Química, da Universidade de São Paulo (USP). A instituição é referência no estudo da História e Filosofia da Química.

    Após um ano de estudo e um processo seletivo com provas em inglês e espanhol, Carneiro foi contemplado com uma bolsa da Capes para financiar os quatro anos de doutorado. Isso após 6 meses sem receber remuneração pela pesquisa – acumulando boletos e contas a pagar.

    No dia 2 de setembro, após o comunicado do MEC, ele recebeu um e-mail do Programa de Pós-Graduação da USP comunicando que sua bolsa havia sido cortada.

    Sem renda e com dedicação exclusiva à pesquisa – em função da qual passa mais de doze horas diárias em seu laboratório –, o doutorando pretende buscar emprego como professor de química em escolas básicas. “Essas agências de fomento são importantes justamente para a gente conseguir sobreviver aqui”, argumenta.

    Após a declaração de Weintraub, anunciando a retomada de uma parcela dos investimentos, Mateus espera a volta de sua bolsa, que ainda não foi confirmada pelo Programa. “Aqui dentro da instituição, da USP, a gente vê que a educação vem sendo corroída por dentro. O próprio Ministério da Educação está acabando com a pesquisa nas universidades públicas do Brasil”, desabafa.

    Bolsas do Cnpq com futuro incerto

    No mês de agosto, o governo federal também anunciou que não fornecerá recursos para financiar 83,4 mil bolsas de estudos e pesquisas em andamento. Também ficam suspensas as assinaturas de novos contratos, previstos para este ano no Orçamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), órgão ligado ao ministério da Ciência e Tecnologia.

    O ministro de Ciência e Tecnologia Marcos Pontes prometeu um remanejamento interno no orçamento do órgão para pagar os R$ 82 milhões referentes às bolsas de pesquisa de setembro deste ano. Não há, porém, qualquer garantia de continuidade dessas bolsas até o fim do ano. O pagamento depende da liberação do recurso por parte do Ministério da Economia.

    Com déficit de R$ 330 milhões previsto para este ano, o CNPq pretende remanejar a verba destinada ao fomento, para pagar as bolsas em outubro. A área de fomento é utilizada para custear equipamentos, insumos, manutenção dos laboratórios e materiais para as pesquisas.

    A medida impõe outra problemática. Além da incerteza em relação ao pagamento das bolsas, a pesquisa sofre com os problemas estruturais das instituições públicas de ensino.

    Marcos Gregnani é bolsista do CNPq e doutorando em Biologia Molecular pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Ele pesquisa novas formas de prevenção para doenças metabólicas, como a obesidade e a diabetes.

    O pesquisador relata as dificuldades com a manutenção dos biotérios no departamento de Biofísica, que vem sendo impactado pelo racionamento da ração para os animais e a falta de refrigeração adequada.

    “Outras universidades com menos recursos que a nossa já interromperam o trabalho com animais. Você tem aí um trabalho de quatro gerações de pesquisadores. É uma parte da ciência que pode ser jogada no lixo”, desabafa.

    Segundo o Painel dos Cortes, divulgado pela Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior no Brasil (Andifes), o MEC cortou o equivalente a 30% do orçamento destinado à UNIFESP.

    São Paulo é o estado com o maior número de pesquisadores ameaçados pelos cortes no CNPq. Os 18.470 bolsistas representam 22% do total no país. Os cortes também afetam outra modalidade de bolsas da agência, as do Edital Universal 2018, que selecionou 5.572 projetos. O cancelamento das bolsas, divulgado em abril, impediu 2.516 pesquisadores de contratarem técnicos especializados para o desenvolvimento de suas pesquisas.

    Sem perspectiva de renda após outubro, Gregnani teme pelo fim ao fomento a pesquisa. “A educação não pode ser uma pauta de direita ou uma pauta de esquerda, ela tem que ser uma pauta do país. A população precisa entender que a gente é isso, que nós somos parte deles”, defende.









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