Sindicato unido e forte
desde 1989


    O silêncio tucano e uma possível lição
    Autor: AGÊNCIA CARTA MAIOR
    23/06/2005

    Crédito Imagem:

    Em artigo publicado na Agência Carta Maior, o jornalista Marco Aurélio Weissheimer questiona o silêncio geral sobre mais uma denúncia sem prova do deputado Roberto Jefferson, só que, desta vez, expondo a suposta existência de um caixa 2 no PSDB durante a campanha eleitoral de Fernando Henrique Cardoso para a presidência da República. Leia abaixo a íntegra do artigo:

    Marco Aurélio Weissheimer
    22/6/2005
    O silêncio tucano e uma possível lição

    Na entrevista ao Roda Viva, Roberto Jefferson denunciou, entre outras coisas, a existência de caixa-dois na campanha de FHC. Tucanos destacaram gravidade das outras denúncias, mas silenciaram sobre esta. Entre silêncios e escolhas, Jefferson talvez tenha algo a nos ensinar.
    “Que conversa é essa? Estou estranhando tudo isso. Parece que estamos num convento de freiras. Pensei que fôssemos discutir aqui financiamento de campanhas políticas. Vocês sabem disso tudo que estão me perguntando”. As declarações do deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ) causaram um visível constrangimento entre os jornalistas que participaram do programa Roda Viva, da TV Cultura, na noite de segunda-feira. De repente, de modo inesperado, Jefferson diz que o ex-banqueiro José Eduardo Andrade Vieira (e futuro ministro), do falecido Bamerindus, foi um dos financiadores “por dentro e por fora” da primeira campanha de Fernando Henrique Cardoso, em 1994. Tinha caixa dois sim senhor e vocês sabem disso, disse o petebista em tom desafiador aos jornalistas. O apresentador do programa, Paulo Markun, chamou o intervalo e na volta nenhum jornalista quis tocar no assunto, apesar do desafio de Jefferson e da provocação ao chamá-los de freiras.
    Provocado por Jefferson e movido pelo famoso espírito investigativo da profissão, algum jornalista poderia ter perguntado: deputado, o senhor disse que o PTB passou dinheiro para o PSDB pelo caixa dois; quanto foi passado? quando isso ocorreu precisamente? quem eram os operadores desse repasse; qual era a origem do dinheiro? As perguntas não foram feitas, apesar de o deputado insistir que estava disponível para falar sobre o assunto.
    Enfim, a denúncia sobre a existência de caixa dois na campanha de FHC passou praticamente batida na cobertura da mídia, no dia seguinte ao programa. A Agência Estado fez uma rápida referência ao tema no final de uma matéria sobre o Roda Viva. Menos contida, a Agência Reuters destacou no título de uma matéria que “Jefferson admite que repassou verbas ilegais ao PSDB”. E reproduz outro trecho da fala do petebista: “num primeiro momento, houve repasse do PTB para o PSDB na campanha do presidente Fernando Henrique. Uma parte foi declarada”. A outra parte, segundo ele, não foi declarada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ao ser indagado se estava fazendo uma denúncia, o entrevistado foi didaticamente claro: “Eu estou afirmando a você”. “Mais tarde, segundo ele, o PSDB destinou dinheiro ao PTB sem registro na Justiça Eleitoral”, lembrou nesta terça-feira a Folha de São Paulo.
    Selecionando acusações e gravidades
    Estranhamente, ninguém quis mais falar sobre o assunto. Nesta terça-feira, o site oficial do PSDB fez uma abordagem curiosa sobre a entrevista. Em uma nota intitulada “Nova entrevista traz mais detalhes sobre o mensalão”, a Agência Tucana dá total credibilidade ao entrevistado dizendo que “as declarações do deputado Roberto Jefferson no programa Roda Viva apresentado pela TV Cultura reafirmaram as relações espúrias entre o PT e a base aliada”. O deputado Alberto Goldman (SP) diz que “além de confirmar as denúncias que já haviam sido feitas, ele trouxe mais detalhes sobre os esquemas de corrupção”. De fato, trouxe, como, por exemplo, a denúncia sobre a existência de um caixa dois na primeira campanha de FHC. Goldman e a Agência Tucana silenciam sobre esse tema, selecionando estrategicamente aquilo a que querem emprestar credibilidade. Na mesma linha, o tucano mineiro Rafael Guerra afirma que as acusações de Jéferson são “da maior gravidade”. Quais acusações? Guerra também escolhe as que interessam ao seu partido e silencia sobre o resto.
    Coube ao presidente nacional do PSDB, senador Eduardo Azeredo (MG), comentar a denúncia de Jefferson. “Não tenho conhecimento. Essa é mais uma lamentável tentativa de desviar o foco. O PSDB nada tem a temer e já respondeu quando foi acusado injustamente pelo PT”, afirmou, acrescentando que todas as contas do partido foram aprovadas pela Justiça Eleitoral. “Na posição de réu, Jefferson partiu para o ataque. Cabe à Comissão de Ética da Câmara apurar tudo’” disse ainda Azeredo. Ou seja, o PSDB deve chegar a um acordo sobre se as denúncias do ex-presidente nacional do PTB são críveis ou não. Se todas devem ser investigadas, ou só algumas? Ou se só valem aquelas feitas ao PT e a outros partidos?
    O silêncio dos inocentes?

    Se cabe à Comissão de Ética ou à CPI apurar tudo, como disse o presidente do PSDB, que sejam apuradas todas as denúncias de Jefferson. O primeiro problema é a, até aqui, ausência de provas além do testemunho do dito cujo. O segundo, e não menos sério, é que a postura do denunciante, que decidiu “sublimar o mandato”, atira para todos os lados e denuncia o que chama de hipocrisia geral da classe política e da mídia. É uma postura desestabilizadora. Todos sabem disso que estou falando, repetiu ele várias vezes. Em alguns momentos, os jornalistas ficaram visivelmente constrangidos, sem saber direito o que fazer e o que perguntar. Jefferson também referiu o episódio da votação, no Congresso, da possibilidade de reeleição de Fernando Henrique, quando também ocorreram denúncias de compras de votos. Nenhuma pergunta também sobre isso. Silêncio. Para os tucanos, obviamente, todas essas denúncias são absurdas e caluniosas. Ou, dito de outro modo, todas as denúncias de Jefferson são graves e devem ser investigadas, com exceção daquelas dirigidas ao ninho tucano. Simples, assim.
    Essa postura ficou exemplificada de modo marcante também no site Primeira Leitura, ligado ao PSDB. O texto sobre a participação de Jefferson no Roda Viva simplesmente omitiu a referência às transações entre PTB e PSDB, mencionadas pelo deputado carioca. “A frase mais bombástica referiu-se ao tamanho do esquema de corrupção no governo Lula. Segundo o presidente licenciado do PTB, “é muito maior do que o esquema PC”, que seria amador na comparação com o montado pelo PT”, afirmou o Primeira Leitura. Nenhuma palavra sobre a disposição do entrevistado, recusada pelos jornalistas, de falar sobre um suposto caixa dois na campanha eleitoral de FHC, ou sobre a votação da reeleição. O silêncio dos inocentes, ou dos conventos, como talvez preferisse dizer Jefferson. Nada de novo, exatamente. Hipocrisia, cinismo, manipulação de informações. A vida real é assim, todos vocês sabem disso, repetiu lá pelas tantas Roberto Jefferson aos jornalistas. Se é assim, será que esse episódio todo tem algo a ensinar para aqueles que insistem em tentar construir uma verdadeira democracia no Brasil?
    Uma possível e incômoda conclusão
    Roberto Jefferson já serviu a vários senhores neste país, mas sempre a mesma classe. É um homem de direita, convicto, e não faz nenhuma questão de esconder isso. Agora, é também uma verdadeira caixa-preta, disposta a denunciar a hipocrisia e o cinismo geral, inclusive o próprio. As repercussões seletivas e silêncios sobre o conteúdo de sua entrevista dizem muito sobre aquilo mesmo que está denunciando. É um depoimento para ser visto e revisto, não apenas pelo que diz como também pelos silêncios e escolhas de ênfases que provoca. Silêncios e escolhas que podem ser muito reveladores acerca da natureza do pacto de poder que faz do Brasil um país para muitos poucos.
    Entre as conclusões possíveis de todo esse episódio, aqui fica uma sugestão: nenhum projeto político que se pretenda genuinamente democrático pode (ou talvez seria mais apropriado dizer “deve”?) depender de um Roberto Jefferson para se sustentar. O mundo de hipocrisia e cinismo em que ele sempre viveu e que agora denuncia é auto-destrutivo. Até pode ter êxito no curto prazo, mas a fatura final é salgada e quem paga o preço é o povo, a idéia de democracia e da política como uma atividade necessária para emprestar sentido à vida. Não é difícil prever qual seria o comentário de Jefferson a essa sugestão de conclusão: “que conversa é essa? Parece que estamos num convento de freiras. Vocês todos sabem como tudo isso funciona”. Bem, se é assim, que cada um reflita sobre suas escolhas e silêncios, então, e assuma a responsabilidade por isso.
    Marco Aurélio Weissheimer é jornalista da Agência Carta Maior (correio eletrônico: [email protected])









Ao clicar em enviar estou ciente e assumo a responsabilidade em NÃO ofender, discriminar, difamar ou qualquer outro assunto do gênero nos meus comentários no site do SindSaúde-SP.
Cadastre-se









Sim Não