Artigo
No dia 20 de novembro, o Brasil celebra o Dia Nacional da Consciência Negra, data que, neste ano, completa 48 anos de existência desde a sua idealização por um grupo de quatro estudantes de direito em Porto Alegre (RS), que participavam de um grêmio estudantil e pensaram em como resgatar a importância da população negra na nossa cultura.
Eles se inspiraram no ativismo do sul-africano Steve Biko, principal dirigente da organização Consciência Negra e ex-presidente da Organização dos Estudantes da África do Sul (OESA), que morreu em 1977 após ser preso e torturado pela polícia daquele país. Em 1968, Biko "forjou" a consciência negra nos Estados Unidos, no sentido de buscar a identidade dos negros e conscientizá-los de sua importância e valor. Os quatro jovens estudantes tiveram, inclusive, que prestar contas à ditadura brasileira, pois havia rumores de que o movimento que eles estavam construindo estaria provocando desordem.
A data é destinada a homenagear nosso líder e símbolo da resistência à escravidão, Zumbi dos Palmares, associado à luta e resistência do povo negro na busca da identidade que nos foi arrancada assim que atracamos em solo brasileiro. Trata-se de uma reflexão social sobre o papel que a negritude ocupa dentro da sociedade brasileira desde seu rapto da África para serem escravos, até os dias atuais, em que o racismo persiste intrincado em nossa sociedade.
Escravidão
A data serve para nos lembrar de que a luta pela liberdade verdadeira virá no momento que o povo negro for revestido de sua plena cidadania, processo que ainda está em curso.
Importante ressaltar que o povo negro nunca se colocou no papel de vítima da história. Os negros foram, isso sim, retirados à força de suas terras – muitos morreram de doença, fome e maus-tratos no caminho até aqui - e trazidos para o Brasil para serem escravizados. Foram 2 milhões de pessoas negras escravizadas.
Entre 1550 até 1850, a cada cem indivíduos que entravam no Brasil, 86 eram de africanos escravizados. Logo, o povo brasileiro é fundamentalmente formado por povos africanos.
Em 10 anos de trabalho escravo, a maioria das pessoas já estava em situação de invalidez, quando não morriam.
Violência que não acaba
Para os dias atuais, a data é de alta relevância para nos lembrar e nos fortalecer. O negro lutou (e ainda luta) e, por mais de uma vez, assentou as pedras do caminho que o conduziu à sua própria liberdade.
Apesar disso, chibatas verdadeiras ainda cantam nos lombos dos escravizados modernos. A cada 23 minutos, um negro é assassinado no Brasil. A cada 23 minutos, pode “confundir-se” furadeira com arma; guarda-chuva com arma. A cada 23 minutos, um carro de família pode ser alvejado por 80 tiros, contados, por representarem uma ameaça.
A todo o momento, um trabalhador(a) negro(a) ou não branco(a) pode ser alvo, pode ser atingido(a), pode morrer. Ou ser encarcerado(a). Cerca de 64% das pessoas nas cadeias são negras; 56% dos presos no Brasil são jovens de 18 a 29 anos que acabaram o ensino médio.
Os brasileiros não têm vergonha de serem racistas, mas têm vergonha de dizer que são racistas ou de serem apontados como tal.
Vítimas com nomes
Ao mencionarmos números da violência contra o povo negro, não podemos nos esquecer de citar alguns dos nomes de pessoas que foram vítimas desse genocídio em andamento. Nomes que simbolizam e demonstram que todos os números aqui apresentados são compostos por pessoas de carne e osso.
Entre as vítimas, estão Amarildo, que sumiu após ser levado por policiais militares para ser interrogado na sede da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) durante a "Operação Paz Armada", de combate ao tráfico na comunidade. Amarildo nunca mais foi encontrado; Rennan da Penha, vítima da perseguição que a comunidade negra periférica sofre. Foi preso injustamente sob acusação de um crime para o qual não havia prova; Rafael Braga, vítima da seletividade penal, da criminalização da pobreza e do racismo. Rafael foi o único condenado no contexto das manifestações de junho de 2013. Catador de latinhas, de família pobre, ele sequer participava do protesto, mas foi parar na prisão por portar duas pequenas garrafas de produtos de limpeza, considerados como potenciais aparatos explosivos pela polícia, pelo Ministério Público e pela Justiça. Depois, mesmo com a existência de um laudo pericial que atestou a impossibilidade daqueles produtos serem utilizados como bombas, o processo e prisão de Rafael continuaram tramitando e ele segue condenado por um crime que nunca cometeu; Ágatha Vitória Sales Félix, de 8 anos, morta quando voltava para a casa com a mãe. Ela foi a quinta criança morta em função da violência seletiva do estado do Rio de Janeiro só este ano; as duas policiais negras que morreram no cumprimento do seu ofício. Fabiana Aparecida de Souza e Alda Rafael Castilho foram mortas em operação policial e tinham seu caso estudado e analisado pela vereadora Marielle Franco, que, infelizmente, também é citada aqui como mais uma vida negra assassinada pelas marcas da escravização e o processo de genocídio que atinge a população preta.
Genocídio
A palavra genocídio vem do grego genos – tribo, raça; e do latim cide – matar. Ela é usada para fazer referência ao ato de exterminação sistemática de um grupo étnico ou a todo ato deliberado que tenha como objetivo o extermínio de um aspecto cultural fundamental de um povo. Ela é cunhada e usada após os acontecimentos estarrecedores que se passaram durante a Segunda Guerra Mundial, causados pelo nazismo.
A história de colonização de nosso país é a história do genocídio dos povos indígenas, dos povos negros escravizados. A história da construção de nossa nação é escrita com tinta de pobre, preto, mulheres, travestis e indígenas.
Acredito que o Novembro Negro é eco da resistência do Quilombo dos Palmares e Zumbi, do Movimento Unificado Negro e de todas as pessoas e frentes que se levantam contra a morte, contra as atrocidades e perdas de oportunidades de vida que o racismo causa. É dessa esperança real, equiparada de acontecimentos reais, que comprovam que a história do povo preto é uma história de resistência e luta.
Somos privados economicamente e sujeitos a todo tipo de descaso do estado. Essa privação social a que o povo preto é sujeito é resultado da ausência completa de políticas públicas pós-abolição que perduram até hoje, subsidiando o racismo visceral que assola nossa sociedade em sua estrutura e instituições, que reproduzem a violência física, psicológica, emocional e social à comunidade negra, e mantendo o racismo estrutural e institucional como pode ser notado em todas as vidas negras que aqui foram citadas.
Oito em cada 10 brasileiros ricos são brancos e, em contrapartida, três em cada quatro pessoas das classes mais baixas são negras - lembrando que a população negra foi empurrada para os morros, locais distantes dos grandes centros.
O foco desta data tem que ser valorizar as produções e talentos das pessoas pretas e não brancas; conscientizar e dar visibilidade sobre as questões da negritude, do racismo estrutural e institucional, e do genocídio do povo preto. Empoderar e permitir integração e interação entre as pessoas pretas e não brancas de nossa sociedade.
SindSaúde-SP
Nosso Sindicato tem o intuito de idealizar, organizar e desenvolver essa ação ao lado das pessoas que carregam consigo axé e sabedoria, assim como força e resistência. Qualidades que me trazem à mente os nossos antepassados, os nossos ancestrais, a história desse povo preto que foi trazido ao Brasil em situações desumanas que deixam marcas até hoje.
O NOVEMBRO NEGRO é uma ação afirmativa contra o racismo e um convite a todas e todos que queiram se juntar à nossa luta. Convido a todas(os) a pensar em políticas públicas, produzir conhecimento e empoderar a comunidade negra com o intuito de minimizar tais diferenças, até que deixem de existir.
É um alerta que se faz necessário para a organização de espaços e atividades públicas que deem conta de debater essa temática e combater todas as formas de racismo perpetradas no seio de nossa sociedade.
*Secretária de Igualdade