Sindicato unido e forte
desde 1989


    Crônica do caos anunciado
    Autor: Adriana Arduino - diretora da região Leste I
    16/04/2021

    Para aqueles que ainda não sabem, sou farmacêutica. Mas não é sobre isso que eu quero falar. Ou melhor, não é SÓ sobre isso que eu quero falar.

    Sou farmacêutica funcionária pública da saúde estadual. Mas também não é SÓ sobre isso que eu quero falar.

    Sou dirigente sindical. Mas, como vocês já devem ter percebido, também não é SÓ sobre isso que eu quero falar.

    Quero falar sobre tudo isso junto, cada parte com sua importância.

    Como farmacêutica, profissão que escolhi e à qual me dedico há 26 anos no estado, dentro de hospitais desde o início, e que me levou a um cargo de diretoria de serviço, tenho a dizer que minha formação me permite falar com propriedade sobre o fabrico de medicamentos e, principalmente, sobre a farmacodinâmica dos medicamentos, incluindo, vejam só que coisa interessante, a cloroquina, a ivermectina, a azitromicina. Sobre as vacinas, como o mundo está ainda testando, faltam-me conhecimentos diferentes daqueles já provados, aprovados e publicizados pelas vigilâncias sanitárias do mundo inteiro.

    Mas, sobre os efeitos da cloroquina e da ivermectina, quando usadas para outras doenças diferentes daquelas para as quais foram criadas, eu conheço, e posso falar "de cadeira". Mas ninguém dá importância para isso, pois "cada um tem o livre arbítrio para tomar o que quiser" (ah, esse tal livre arbítrio ainda vai nos matar!).

    Mesmo com o mundo falando mal de nós, brasileiros; fechando aeroportos, falando em francês sobre a criminosa pregação do uso da cloroquina, ainda assim, meus conhecimentos específicos são colocados em dúvida.

    Como funcionária pública, começa o outro equívoco, largamente difundido entre a população: somos "parasitas"! Sim, o ministro (para quem não sabe, Paulo Guedes, da Economia) nos deu esse nobre título!

    Só que o ministro esqueceu de dar nomes aos bois, e colocou todos nós no mesmo balaio dos funcionários do alto escalão.

    Ele se esqueceu de lembrar que nós, funcionários públicos comuns, principalmente os da saúde, que neste momento estão morrendo para atender toda a população - que pode ser seu pai, sua mãe, sua filha, sua avó, seu amigo - não recebemos um real de FGTS caso decidamos deixar de ser funcionário público, após 10 ou 20 anos de serviço. Saímos do jeito que entramos, sem nada mais que os anos e as doenças que carregamos nas costas. E que é exatamente por isso que temos estabilidade. E que nossa estabilidade é crucial para o bom andamento lícito das instituições públicas, já que, entra governo, sai governo, nós continuamos ali, trabalhando do mesmo jeito, sem precisarmos puxar o saco de chefe nem nos submetermos a falcatruas.

    Aí, leio na rede social que "não é para acontecer o fechamento dos comércios, porque o povo precisa trabalhar, e que funcionário público da saúde (eu, a parasita, lembra?) fala para fechar shopping "porque não depende do emprego, porque mama nas tetas do governo", e que é por isso que "tem que privatizar tudo mesmo; e que é: mito em 2022; chupa PT", entre outras “maravilhas” desse tipo.

    Ah, já ia me esquecendo: se eu, a funcionária pública da saúde insistir em falar que é para fechar tudo, inclusive os shoppings, que doe o meu salário, "para ficar todo mundo igual". Entendeu? Os caras querem que eu e meus colegas todos da saúde trabalhemos no hospital público, na pandemia, e que eu doe o meu salário, que eu trabalhe de graça.

    E sabe quem são essas pessoas que querem privatizar tudo? São as que dependem exclusivamente do serviço público e que não entenderam que as vacinas são de exclusividade do SUS, que é o serviço público.

    O tal ministro esqueceu de falar sobre os salários da auxiliar de enfermagem que está aplicando a vacina ou da moça que faz o atendimento na recepção do hospital, mas para que, né? Se eu posso doar, é porque não me faz falta!

    Quero falar também sobre o trabalhador da saúde pública, com o qual convivo no dia a dia na base sindical, que, tendo o privilégio de fazer parte do grupo a ser vacinado primeiro, recusou-se a tomar a vacina porque o presidente genocida falou que não é confiável (e que, por isso, dispensou a compra quando nos foi oferecida); e que prefere tomar cloroquina, ivermectina e azitromicina. E, estando ali, na linha de frente, vendo mortes todos os dias, NEGA a dimensão da doença. Sempre que possível, não usa máscara no trabalho e ajuda a propagar fake news sobre falsos "remédios", falsas terapias, falsas declarações.

    E tem os casos da enfermagem que jogou a dose da vacina no chão, que fingiu que aspirou a dose, que fingiu que injetou a dose - tudo filmado.

    E o 1,5 milhão de idosos que não voltaram para tomar a segunda dose da vacina?

    E os casos de reinfecção que têm sido mais graves?

    E os nossos "aperfeiçoamentos de cepas"?

    E os roubos de encanamentos de oxigênio nas unidades de saúde pública?

    E a mulher que aplicou soro em quem achou que era esperto e que podia furar a fila? (Essa parte eu gostei, desculpem a sinceridade!)

    E a autorização para o "camarote da vacina"?

    E a falta de medicamentos do kit intubação, que irá submeter os pacientes ao maior desconforto e angústia, jamais imagináveis?

    E os mais de 360 mil mortos?

    Não era sobre nada disso que eu queria falar…

    Mas é sobre isso que eu precisava falar.

     

    Adriana Arduino Mendes, diretora da Regional Leste I do SindSaúde, na madrugada de 14 de abril, assistindo às notícias do dia e precisando registrar a minha angústia.