Sindicato unido e forte
desde 1989


    O que as atletas pretas nos ensinam sobre dor e resiliência
    Autor: Editorial SindSaúde-SP
    30/07/2021

    Os Jogos Olímpicos de Tóquio têm sido uma prova de resiliência para a maioria dos atletas brasileiros. Em um país sem Ministério dos Esportes, o que denota o ínfimo grau de incentivo dado pela esfera governamental às modalidades esportivas, deparamo-nos a cada dia da competição com histórias pessoais de muita superação.

     

    Teve o nadador medalha de bronze que treinou em açude; o surfista medalha de ouro que surfava na tampa do isopor usado pelo pai para vender peixe; teve atleta mulher judoca com sete cirurgias no joelho e uma força de vontade tremenda nos treinos feitos dentro de casa para conquistar a terceira medalha em uma olimpíada e fazer história.

     

    Infelizmente, histórias desse tipo não deveriam, mas são romantizadas pela maioria dos brasileiros, que avaliam as vitórias mais como esforço pessoal ou meritocracia, esquecendo-se de tantas outras histórias que poderiam ter sido escritas se houvessem mais espaços de oportunidades, principalmente aqueles incentivados pelo poder público.

     

    Afinal, quantas medalhas o Brasil poderia trazer em cada edição olímpica se esporte, ao lado de educação, arte e cultura, fossem prioridade neste país? Faríamos miséria se o incentivo fosse somado à garra natural do brasileiro.

     

    A humanização da dor

    Nesta edição dos jogos, foi justamente um drama pessoal o que chamou mais a atenção. Aos 24 anos e coroada com 19 medalhas de ouro em competições, a ginasta norte-americana Simone Biles abandonou a Olimpíada porque sua saúde mental não a permitia continuar.

     

    Preta, de origem humilde, filha de uma mãe viciada em drogas e criada pelos avós, que a adotaram posteriormente, Simone tem uma história muito parecida com a de muitas crianças negras no Brasil, pois tanto lá quanto cá o racismo também é uma chaga social.

     

    Assim como muitos jovens de sua geração, ela decidiu externar que não suportava a pressão sobre seus ombros por encher o peito de medalhas e desistiu. Antes dela, outra negra, a tenista japonesa Naomi Osaka, de 23, também havia desistido de competições internacionais importantíssimas por problemas de depressão.

     

    Ao humanizar a sua dor, Simone externou um problema muito comum no meio esportivo (a pressão por resultados) e, também, o quão frágeis todos nós, de algum modo, estamos nesta pandemia.

     

    Ao dar voz à sua dor, Simone mostrou à sociedade que nem sempre estar/ser feliz é uma questão de opção nem caso de receituário tarja preta, e que a tristeza está solta por aí e pode nos pegar desprevenidos.

     

    A hora da estrela

    A saída de uma atleta preta de alto nível colocou o holofote sobre outra: a brasileira Rebeca Andrade, uma promessa da ginástica brasileira de 22 anos. Rebeca virou então a promessa de ouro com seu “Baile da Favela” e, por poucos milésimos, não o conseguiu. Acabou ficando com a prata, mas entrou para a história do esporte no Brasil como a segunda melhor ginasta do mundo, um feito e tanto para coroar este mês de julho das pretas, que lutam por menos racismo, menos violência e por mais espaços para acontecerem.

     

    Nas palavras da ginasta Daiane dos Santos, que alçou a ginástica ao patamar em que está hoje no país, com seu salto “duplo twist carpado”, a primeira medalha olímpica brasileira da ginástica veio de uma menina negra. Aos prantos, Daiane recordou, durante transmissão televisiva, que Rebeca é filha de uma mãe solo e que a sua medalha simboliza o mundo para as meninas negras no Brasil, que chegaram a um lugar onde negros, principalmente meninas, não podiam chegar.

     

    Quantas Rebecas poderíamos ter se houvessem mais espaços que elas pudessem ocupar?

     

    O que nos ensinam

    No mês das pretas, o que essas meninas tão jovens ensinam a toda a humanidade é: há muita dor pelo caminho, principalmente de um atleta; é um tanto pior se sua cor é preta e sua origem é pobre. Não é incomum ouvir de negros que eles se sentem forçados a provar mais do que os brancos. Se se é menina, tanto pior, mas elas nos mostram que suas vidas, embora cheia de sobressaltos, também carregam muita resiliência.

     

    Sobretudo, o que nos ensinam é que viver pode ser também desistir de vez em quando e voltar inteira depois. Afinal, está tudo bem em não estar bem.

     

    PS.: Parabéns a todas as atletas meninas e aos atletas meninos, que têm dado show nos jogos, apesar do pouco incentivo.