Artigo
Como mulher negra que preside um dos maiores sindicatos de trabalhadores(as) públicos da América Latina, quero trazer uma reflexão para este Dia da Consciência Negra, com foco nas mulheres pretas, profissionais de saúde, como eu.
Ao longo de minha trajetória de mais de 30 anos como profissional de saúde, posso garantir-lhes, sem temer incorrer em erros, que na escala da carreira estamos na parte mais baixa da pirâmide. E os números não me deixam mentir.
Dados da Pnad Contínua organizados pelo Departamento Internacional de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) mostram que, incluindo a saúde pública e privada, o total de mulheres não negras empregadas no segundo trimestre de 2021 era de 2,606 milhões no Brasil, enquanto o de negras era de 2,241 milhões. Em São Paulo, esses números são de, respectivamente, 898 mil (não negras) e 386 mil (negras). Ou seja, somos 35% do total de trabalhadores da saúde no país e 22% no estado, proporção superior à participação de mulheres pretas no total de ocupados (22% e 17%, respectivamente).
Quando fazemos o recorte para a saúde pública, a presença de mulheres pretas é ainda maior: somos 41% dos trabalhadores no país e 28% no estado, o que reflete a importância do concurso público para a democratização do acesso aos postos de trabalho.
Sim, temos presença forte no setor de saúde brasileiro, mas isso não se reflete em posições de liderança nem em salários melhores.
Salário mais baixo
Apesar dessa presença importante na prestação dos serviços de saúde, na remuneração nós perdemos. Juntando a saúde pública e privada, o salário médio de uma mulher não negra é de R$ 3.619 no Brasil e de R$ 4.011 no estado de São Paulo. A trabalhadora da saúde negra, por sua vez, recebe, respectivamente, R$ 2.097 e R$ 2.434.
Só para ficar no estado de São Paulo, uma mulher negra ganha o equivalente a 60% do que recebe uma não negra. Se comparamos com a média salarial dos homens brancos (saúde pública e privada juntas), o porcentual cai para 30%. Na saúde pública do estado de São Paulo, esses percentuais mudam muito pouco.
Fotografia cruel
O que, afinal, podemos depreender dessa fotografia? As mulheres negras ocupam posições mais subalternas no serviço de saúde, tanto na esfera pública quanto na privada, porque uma mulher preta tem muito mais dificuldades para galgar novos espaços na carreira.
As pretas são, em sua maioria, as maiores vítimas da violência de gênero. Também são, em grande parte, mães solo que precisam trabalhar para cuidar dos filhos, dos pais velhos, ou seja, não têm a mínima chance de poder focar em sua carreira e formação. Eu sei porque vi e ainda vejo muitas mulheres assim ao longo de minha trajetória profissional e sindical. E os números – mais uma vez – não me deixam mentir.
Segundo a última pesquisa “Estatísticas de gênero” do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o porcentual de mulheres brancas com ensino superior é 2,3 vezes maior que o de mulheres pretas.
O mesmo estudo mostra que, no geral, as mulheres estudam 2,3 vezes mais que os homens no país, mas, ainda assim, ganham menos que eles (em média, recebem 76,5% do rendimento dos homens).
Retrocessos e caminhos
Infelizmente, temos visto muitos retrocessos no Brasil quando o assunto é garantir mais oportunidades às mulheres como um todo. Mas quando falamos de mulher preta, a situação é ainda mais desigual.
Na pirâmide, as pretas estão ainda mais embaixo na escala social e, por essa razão, tornam-se cada vez mais urgentes políticas públicas no sentido de reverter esse quadro para que possam ter a chance de crescer.
Neste Dia da Consciência Negra, o meu desejo é de que possamos não somente olhar para esses números com compaixão, mas fazer deles instrumentos de mudanças na construção da sociedade que queremos ter no futuro.
Um viva a todas as pretas deste país!