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Não é por acaso que o governo do ex-presidente derrotado nas últimas eleições e julgado inelegível, Jair Bolsonaro (PL), cortou em um quarto o investimento em cultura durante seu mandato.
Enquanto em 2018, o golpista Michel Temer (MDB) aplicou R$ 249,5 milhões para fomentar projetos culturais, em 2022, último ano de Bolsonaro na presidência, o valor destinado à área foi de R$ 89,5 milhões.
A cultura é um setor em disputa porque ajuda a formar opinião, expandir olhares críticos e a forjar a consciência. Em governos sustentados pelo conservadorismo, a produção artística se torna inimiga porque conduz ao questionamento e não à obediência.
As mulheres, um dos grupos de resistência à extrema-direita, sofrem duplamente com esse boicote. Primeiro, quando não aceitam se submeter a valores moralistas de controle ao corpo, que incluem o direito ao prazer e a descriminalização do aborto e, segundo, porque convivem com a realidade de um universo machista que também impacta a cultura.
Mesmo em gestões progressistas, também as produções artísticas são marcadas pela discriminação e a desigualdade. Num mercado em que a informalidade é predominante, nós somos as principais afetadas pelas duplas ou triplas jornadas de trabalho e a dificuldade em conciliar os períodos espaçados das produções, que afetam os ganhos, e a rotina familiar.
Um cenário que nos leva à exclusão, também no mercado de trabalho ligado à cultura e se expressa em nível mundial. Em 2023, somente 18% dos elencos dos 100 filmes de maior bilheteria possuíam mais personagens femininas do que masculinas. Com equilíbrio de gênero, eram apenas 5%, conforme aponta o relatório It’s a Man’s (Celluloid) World (na tradução literal: “É um mundo (celulóide) masculino”), divulgado pelo Centro para o Estudo das Mulheres na Televisão e no Cinema da Universidade do Estadual de San Diego, nos Estados Unidos.
O estudo ressalta ainda que os papéis de fala para mulheres caíram de 37% em 2022 para 35% em 2023, assim como as protagonistas femininas, que passaram de 33% para 28% no mesmo período.
Um dado importante, porém, mostra que em produções nas quais há ao menos uma diretora ou escritora envolvida, o percentual de mulheres como protagonistas são muito maiores do que em filmes com cineastas exclusivamente masculinos, 48% contra 19%.
No Brasil não é diferente. No setor de economia criativa, que envolve a cultura, a participação de homens era de 55% contra 45% de mulheres, segundo estudo do Observatório Itaú Cultural, de 2022.
Quando a análise considera também a questão racial, o cenário é ainda pior. Ao avaliar os valores recebidos, verifica-se que a discrepância já conhecida no mercado de trabalho como um todo se reflete também nas produções artísticas, com os recebimentos de mulheres pretas, em média, na faixa de R$ 1.800, 70% abaixo dos brancos, R$ 3.800, na média.
Não bastasse isso, quando abordamos a forma como somos retratadas, vemos que majoritariamente as mulheres ainda ocupam lugares de musas ou são vistas de maneira objetificada, estereotipada, fragilizadas ou como vítimas de homens espertos ou mais fortes.
Para mudar questões assim é preciso que tenhamos políticas públicas que incentivem a diversidade por meio do investimento nas produções, o que demanda nossa mobilização e luta. Esse cenário só será diferente quando nós nos tornamos protagonistas da nossa própria história.
Como vimos, a luta pela justiça e igualdade diante de uma sociedade misógina e que nos coloca no papel de coadjuvantes passa pela compreensão de que modificar como e quem produz arte, para além do olhar e dos valores masculinos, é indispensável.