Churrascão força trégua da PM em operação na "cracolândia"
Autor: Rede Brasil Atual / Luz Livre
16/01/2012
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Debaixo de sol e chuva, a segunda edição do “Churrascão Diferenciado” chegou a lotar o final da rua Helvétia, próxima à estação Júlio Prestes, área conhecida pelo consumo de crack no centro de São Paulo. Perto das 17h deste sábado (14), não se podia distinguir os ativistas dos movimentos sociais, os dependentes químicos e os curiosos que se aglomeravam em protesto contra a operação policial, alvo de críticas nas últimas duas semanas por conta do uso de armas não letais, da coleção de denúncias de abuso policial e da desconfiança em relação ao real interesse na ação.
Já a Polícia Militar – que desde o dia 3 realiza rondas regulares a fim de coibir a formação de grupos de dependentes – se limitou a gravar imagens à distância, enquanto os grupos circulavam pela área. Nenhuma ocorrência foi registrada durante a realização do evento. Das mais de 2 mil pessoas que confirmaram presença pelo Facebook, cerca de 200 compareceram, o que é comum em manifestações deste tipo, já que a adesão por meio da rede social significa muito mais um apoio que o comparecimento em si.
“Queremos que eles (os policiais) olhem com dignidade para estas pessoas. Elas não estão usando o crack porque preferem usar. Há a exclusão e o preconceito”, ressaltou Anderson Lopez Miranda, coordenador do Movimento Nacional da População de Rua – um dos mais de 40 organizadores do evento –, enquanto Gilberto S., de 56 anos, esperava com ansiedade uma chance para falar. O homem, que relatou “andar de lá para cá” por causa do crack, foi categórico em sua afirmação. “Não adianta ação militar, porque eles expulsam uma cracolândia e se criam outras trinta por aí”, disse, reforçando que não há oferta para tratamento. Outros, como Gilberto, também participavam do churrasco. Momentos raros – ou inexistentes – na rotina daquele lugar. Aproveitaram também para comer e guardar comida para mais tarde. Uma fila se formava a cada minuto para que os lanches de pão com linguiça fossem preparados à beira da churrasqueira. Tudo foi organizado por meio de doações.
Com uma abordagem bem humorada, balões com frases como “Liberta São Paulo” foram soltos ao céu, dezenas de cartazes pregados à cerca que protege o terreno da Helvétia – também utilizada como esconderijo do fumo –, além de uma banda, que tocou todo o estilo de música. Alguns dos viciados dançavam junto aos ativistas. Em outro momento, um homem enrolado na bandeira nacional pediu a atenção do público para discursar. “O governo tem é que colocar cultura aqui. Se é para desocuparem (as casas do entorno), que construam um centro educativo”, frisou. Os policiais têm barrado a entrada de uma moradia em péssimo estado, invadida pelos dependentes. Apesar de estar lacrado, o local ainda recebia pessoas que se escondiam do tempo ruim e passavam a noite. Durante o evento, curiosos entraram na casa, sem advertências.
Para o padre Júlio Lancellotti, da Pastoral do Povo da Rua, o “churrascão” vai além do óbvio, de protestar e levantar cartazes, e atinge a questão da convivência da população com a realidade do centro da cidade. “Eu acredito que uma manifestação como esta é tudo o que a população não esperava. Isto aqui está sendo um sinal de que a sociedade muda, quando todo mundo puder comer junto”, afirmou. Lancellotti acompanha diariamente a situação dos moradores em situação de rua e dos dependentes químicos. Em uma ocasião, o padre afirma ter sido ameaçado com uma arma apontada por um policial militar, enquanto tentava proteger um rapaz da investida policial.
Ao final da tarde, quando alguns dependentes já voltavam a circular pelas ruas adjacentes, viam-se cachimbos de fumo, enquanto os policiais militares continuavam parados ao lado das viaturas, estacionadas nas calçadas próximas ao “churrascão”. Grupos se formaram na rua Barão de Piracicaba, próxima à Helvétia. Estranhando a reação atípica da PM, uma dependente temia um possível revide pela madrugada quando não houver movimento, que não seja o dos próprios moradores locais.
O princípio apoiado pelo padre Lancellotti vai ao encontro do propósito da organização do evento, de mostrar à população que os dependentes do crack são “gente como a gente”. Na primeira versão do "churrascão", a reunião foi em frente a um shopping em Higienópolis, na região central, devido à resistência dos moradores do bairro quanto à construção de uma estação do metrô. O governador Geraldo Alckmin (PSDB), que já havia sinalizado desistência da construção, voltou atrás. A idéia desta edição é a mesma. “O povo (os dependentes) aqui sozinho não vai conseguir resistir”, ressaltou o deputado estadual Adriano Diogo (PT). “Que a inteligência da sociedade paulistana apareça e questione até onde o governo estadual vai com esta loucura”, criticou.
O comandante-geral da PM, coronel Álvaro Camilo, afirmou na última sexta-feira (13) em entrevista que a operação continua por tempo indeterminado, e que “tudo está dentro da normalidade”. Alckmin, em passeio de carro pela região, também garantiu que as ações estão sob controle. As denúncias de abuso de autoridade e agressões físicas estão sendo acompanhadas pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo e pelo Ministério Público.
“MANIFESTO
CHEGA DE DOR E SOFRIMENTO NA LUZ!
Desde o dia 3 de janeiro, a região da Luz no centro de São Paulo, conhecida como “cracolândia”, vem sendo palco de uma ostensiva ocupação militar com quase 300 PMs, dos quais 152 são da Rota (tropa de elite), 12 bombeiros, helicóptero, 117 carros, 26 motos, 12 cães farejadores e 40 cavalos. O aparato de guerra tem abertamente o intuito de reprimir uma população pobre, em parte consumidora de crack, majoritariamente formada por moradores de rua ou pessoas em situação de rua.
A “guerra às drogas”, ou nesse caso mais especificamente a “guerra ao crack” – como se fosse possível guerrear contra uma substância e não contra pessoas – tem servido como pretexto para os governos estadual de Geraldo Alckmin (PSDB) e municipal de Gilberto Kassab (PSD) implementarem o processo violento de higienização e criminalização da pobreza. A denominada Ação Integrada Centro Legal, ou “Operação Sufoco”, orquestrada pela prefeitura com o governo do estado, já conta com inúmeras denúncias de abuso de autoridade, racismo, violação de direitos humanos e tortura, e infelizmente ainda não foi questionada com veemência pelo governo federal.
Se a operação militar por si só já é motivo para rechaço e indignação, por militarizar seletivamente questões sociais e de saúde, os interesses por trás de sua sustentação são capazes de piorar ainda mais o quadro. Pouco importa o que será dos que ali vivem ou frequentam. Se existisse essa preocupação a abordagem não só não seria policial e violenta, mas por meio de assistentes sociais e agentes de saúde, como não poderia trazer como resultado a total dispersão daqueles a quem supostamente se quereria alcançar. Se as autoridades afirmam que o crack é questão de saúde pública, a prática evidencia o contrário. Se publicamente alegam que a ação é para combater o tráfico, fica visível que a repressão está voltada para o usuário, atingindo no máximo o que se chama de “peixe pequeno” (vide a apreensão de apenas meio quilo de crack), aquele que em grande maioria recorre ao comércio ilegal para sustentar seu próprio consumo, e está longe do estereótipo perigoso que a polícia usa para justificar sua violência.
A política de causar “dor e sofrimento”, nas palavras do próprio coordenador de Políticas sobre Drogas do governo, Luiz Alberto Chaves de Oliveira, tem o claro objetivo de “limpar” aquelas pessoas dali de modo a abrir espaço para a implementação do projeto Nova Luz, que prevê a demolição de um terço das construções da região para a reconstrução e valorização do espaço com vistas ao lucro da especulação imobiliária – financiadora esta dos políticos que ocupam o poder.
A internação compulsória – dispositivo no qual pessoas em condição de consumo de crack são internadas à força sob ordem judicial em clínicas sem a menor regulamentação ou qualidade – tampouco tem como objetivo o cuidado com as pessoas, já que pesquisas patrocinadas pela ONU como apresentou o PROAD (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes) indicam que a eficácia de internações contra a vontade é de apenas 2%. Legitimadas pela demonização do crack e por um imaginário social mais baseado em medo do que em informações (estimuladas pela grande mídia e pelos discursos de nossos políticos), medidas de terrorismo de Estado como essa vêm se tornando mais frequentes, não por acaso à medida em que se aproximam a Copa do Mundo e as Olimpíadas no Brasil.
O crack na região da Luz aparece como o sintoma de um problema infinitamente maior. O consumo abusivo desta droga nestes contextos não é a causa, mas sim a consequência de falta de moradia, emprego, saúde, educação, enfim, condições dignas de vida às quais todos temos direito.
Nesse sentido, nos articulamos no intuito de denunciar e enfrentar a ação militar impetrada por nossos governantes, e reivindicar condições dignas a todos aqueles que estão marginalizados de seus direitos mínimos. No caso do uso problemático do crack ou qualquer outra droga, defendemos um tratamento de saúde que tenha como base a autonomia e o respeito ao indivíduo, com o fortalecimento e ampliação da rede intersetorial de atenção psicossocial.”
Entidades e movimentos participantes
Para assinar, envie email para [email protected]
Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura (ACAT-Brasil)
Ação e Cidadania Planeta 21
Amparar – Associação de Amigos e Familiares de Presos
Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasmesp)
Associação de Moradores e amigos da Santa Ifgênia e Luz (AMOALUZ)
Associação Pró Falsêmicos (Aprofe)
Associação Sem Teto da cidade de São Paulo (ASTC-SP)
Avoa núcleo artístico
Barricadas Abrem Caminhos
Bloco do Saci do Bixiga
Campo Debate Socialista
Cedeca Interlagos
Central de Movimentos Populares (CMP)
Centro de Convivência É de Lei
Centro Franciscano Chá do Padre (Sefras)
Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos
Ciranda Internacional de Comunicação Compartilhada
Circulo Palmarino
Coletivo Desentorpecendo A Razão (DAR)
Comitê para a Democratização da Informática – SP
Comitê Paulista pela Memória, Verdade e Justiça
Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CONDEPE-SP)
Conselho Regional de Psicologia (CRP) de São Paulo
Conselho Regional de Serviço Social do Estado de São Paulo
Contraponto
Espaço Cultural Latino-americano (ECLA)
Folias D´ Arte – Grupo de teatro
Fórum Popular de Saúde Mental da Região do ABCDMRR
Forum Regional de Defesa do Direito da Criança e do Adolescente – Sé
Frente Estadual Antimanicomial de São Paulo
Fórum Centro Vivo
Fórum de Juventudes RJ
Forum Regional de Defesa do Direito da Criança e do Adolescente – Sé
Frente de Luta por Moradia (FLM)
Grupo de Estudos Pandiá Calógeras (GEPC)
Grupo de Luta pela Diversidade Sexual
Instituto Cultural Lyndolpho Silva (ICLS)
Instituto Práxis de Direitos Humanos
Juventude Libre
Mandato Deputado Estadual Adriano Diogo (PT)
Mandato Deputado Estadual Carlos Giannazi (PSOL)
Mandato Deputado Federal Ivan Valente (PSOL)
Mandato Vereador Ítalo Cardoso (PT)
Mandato Vereadora Juliana Cardoso (PT)
Marcha da Maconha – SP
Marcha da Maconha – Recife
Marcha Mundial das Mulheres
Militância em Ambientes Virtuais do PT – (MAVPTSP)
Movimento Água Branca
Movimento de Moradia da Região Central – MMRC
Movimento dos Sem Juízo
Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH)
Movimento Nacional de Luta Antimanicomial
Movimento Negro Unificado – MNU
Movimento Passe Livre – MPL-SP
Movimento Sem Teto do Centro (MSTC)
NEILS (Núcleo de Estudos de Ideologias e Lutas Sociais (PUC)
Núcleo de Direito à Cidade da Faculdade de Direito da USP
Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (NEIP)
Ocupa Sampa
Partido Comunista Brasileiro – PCB
Promotora Legal Popular
PSOL-SP
Rede de Juventudes de Favela – RJ
Setorial de Direitos Humanos do PSOL
Sindicato dos Guardas Civis de São Paulo – Sindguardas
Sindicato dos Trabalhadores da Saude do Estado de São Paulo – SindSAÚDE
Tribunal Popular – O Estado no banco dos réus
UneAfro
União de Movimentos de Moradia – UMM-SP
Unidos Pra Lutar!
Fontes:
LUZ LIVRE
http://luzlivre.wordpress.com/
e
Letícia Cruz, Rede Brasil Atual
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