HC Ribeirão Preto deve encerrar terceirização
Autor: Boletim Aparecido Inacio e Pereira
06/09/2013
Crédito Imagem:
A 5ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho de Campinas manteve a decisão que obriga o Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo a fazer concurso público para a contratação de profissionais de saúde, que hoje são terceirizados por meio da Faepa (Fundação de Apoio ao Ensino, Pesquisa e Assistência do HC da USP). O relator, desembargador Antonio Francisco Montanagna, rejeitou o recurso apresentado pelas rés, que tentavam mudar a sentença proferida em 2011 pela 3ª Vara do Trabalho de Ribeirão Preto.
“Não se discute o fato de que a Administração Pública possa celebrar contratos de parceria, cooperação, convênios, na forma da Constituição e da lei. O que se está repudiando é a utilização de contratos de parceria ou de prestação de serviços para a contratação indireta de pessoal para a atividade-fim dos órgãos da Administração Pública”, disse o relator.
Com a decisão, a USP tem o prazo de um ano, contado a partir do trânsito em julgado (quando não cabe mais recurso), para encerrar a terceirização no HC (com o fim dos convênios com ONGs, OSCIPs e OSSs) e, no mesmo prazo, dispensar os trabalhadores contratados pelo convênio, sob pena de multa de R$ 10 mil por trabalhador terceirizado. As mesmas obrigações são válidas para a Faepa, que tem um ano após o trânsito em julgado para encerrar o convênio com a USP e afastar os funcionários que lá trabalham.
O processo teve início após inquérito do Ministério Público do Trabalho, que identificou a mera intermediação de mão de obra no convênio entre USP e Faepa, especialmente pelo fato do hospital estar terceirizando a sua atividade-fim (aquela essencial para a viabilidade do estabelecimento), prática proibida por lei.
Segundo o Ministério Público, as atividades relacionadas à saúde no âmbito do SUS (Sistema único de Saúde), só podem ser executadas pelo poder público ou, de forma complementar, por instituições privadas, quando é insuficiente o serviço prestado pelo Estado.
”Quando o que se verifica é o mero fornecimento de pessoal pela entidade privada, não há como falar em complementaridade ou aumento de capacidade de atendimento, mas em mera substituição do Estado na execução do serviço público, o que colide com a Constituição e com a lei 8.080/90, que impõe ao ente estatal a obrigação de prestar diretamente os serviços de saúde, por meio de estrutura e pessoal próprios”, disse o procurador élisson Miessa dos Santos.
Da decisão, cabe recurso ao Tribunal Superior do Trabalho (TST). Com informações da Assessoria de Imprensa do MPT.
5ª TURMA - 10ª CâMARA
RECURSO ORDINáRIO
PROCESSO TRT - 15ª REGIãO Nº. 0001199-31.2011.5.15.0066
1º RECORRENTE:
HOSPITAL DAS CLíNICAS DA FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRãO PRETO DA UNIVERSIDADE DE SãO PAULO
2º RECORRENTE:
RECORRIDO:
FUNDAçãO DE APOIO AO ENSINO, PESQUISA E ASSISTêNCIA AO HOSPITAL DAS CLíNICAS DA FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRãO PRETO DA UNIVERSIDADE DE SãO PAULO – FAEPA
MINISTéRIO PúBLICO DO TRABALHO - PROCURADORIA REGIONAL DO TRABALHO DA 15ª REGIãO
ORIGEM:
3ª VARA DO TRABALHO DE RIBEIRãO PRETO
Juíza Sentenciante:
Denise Santos Sales de Lima
Irresignadas com a r. decisão de fls. 648/657, que julgou a ação civil pública procedente em parte, as requeridas recorrem ordinariamente.
A primeira requerida, às fls. 658/680, alega, preliminarmente, incompetência da Justiça do Trabalho, falta de interesse de agir e impossibilidade jurídica do pedido. No mérito, pugna pela reforma da sentença, sustentando que a decisão de primeiro grau adentrou nas funções próprias dos demais Poderes Constitucionais, definindo a oportunidade e a conveniência da execução de serviços de saúde, bem como abarcando a função normativa em seu dispositivo. Alegou afronta ao artigo 61, parágrafo 1º, inciso II, alínea “a”, da CF. Prequestiona a matéria.
A segunda requerida, às fls. 681/691, insurge-se quanto ao reconhecimento de irregularidade na terceirização de mão-de-obra.
Contrarrazões às fls. 698/720.
O D. Representante do Ministério Público do Trabalho opinou pelo prosseguimento do feito, reservando-se a faculdade de ulteiores manifestações (fls. 728/730).
é o relatório.
VOTO
Atendidos os pressupostos legais de admissibilidade, conheço dos recursos.
PRELIMINARES ARGUIDAS PELA PRIMEIRA REQUERIDA
INCOMPETêNCIA DA JUSTIçA DO TRABALHO
Insiste a primeira requerida na incompetência da Justiça do Trabalho para apreciar a presente demanda, nos termos do artigo 114 da CF.
Sem razão.
A Constituição Federal, além de fixar, em seu artigo 114, que "Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho", estendeu também o âmbito de abrangência da ação civil pública, estabelecendo que esta engloba a "proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos" (artigo 129, inciso III).
Por sua vez, a Lei Complementar 75, de 20 de maio de 1993, relativa à organização e atribuições do Ministério Público do Trabalho, em seu artigo 83, inciso III, estabelece a competência desta Especializada, no sentido de que incumbe a ele "promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos".
A matéria constante da petição inicial envolve alegação de fraude a direitos trabalhistas decorrente da contratação de terceirização ilícita da atividade-fim do tomador de serviços, e de proteção do trabalhador, estando inserida na competência da Justiça do Trabalho.
Entendimento em contrário implicaria violação do artigo 114 da Constituição Federal.
Nesse sentido, o entendimento do C. TST:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO. 1. COMPETêNCIA DA JUSTIçA DO TRABALHO. RELAçãO DE TRABALHO. AçãO CIVIL PúBLICA. INTERESSES DIFUSOS E COLETIVOS. COOPERATIVA. FRAUDE AOS DIREITOS TRABALHISTAS. A Justiça do Trabalho tem a missão de permitir o acesso à justiça do trabalhador que vê seus direitos lesados em virtude de fraudes, o que, atualmente, com a coletivização dos conflitos sociais, abrange também as demandas coletivas. Portanto, tem lugar na Justiça do Trabalho, por força do artigo 114 da Constituição Federal, a defesa dos interesses jurídicos dos trabalhadores contra a precarização das condições de trabalho pelas diversas fraudes imaginadas pelos maus empresários, para preservar a relação jurídica de emprego sonegada e os direitos que lhe são próprios, tanto em demandas individuais como nas coletivas (...)" Processo: AIRR - 81341-31.2003.5.03.0003 Data de Julgamento: 16/12/2009, Relator Ministro: Guilherme Augusto Caputo Bastos, 7ª Turma, Data de Divulgação: DEJT 18/12/2009. “
Mantenho.
FALTA DE INTERESSE DE AGIR
A ação civil pública, disciplinada originariamente pela Lei 7.347/85, como espécie do gênero ações coletivas, tem por finalidade proteger os direitos e interesses metaindividuais difusos, coletivos e individuais homogêneos de ameaças e lesões, conforme se depreende do artigo 1º daquele diploma.
Ao Ministério Público incumbe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis (art. 127, caput, da Constituição), competindo-lhe, entre outras atribuições, promover o inquérito civil e a ação civil pública, visando à proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos. Incumbe-lhe, ainda, promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do Trabalho, para defesa de interesses coletivos, quando forem desrespeitados os direitos sociais constitucionalmente garantidos (art. 83, III), e de outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos (artigos 83, III, 84, caput, e 6º, VII, d).
No caso dos autos, verifica-se que a ação civil pública foi ajuizada com o fim de tutelar interesse coletivo de trabalhadores que se ligam à primeira recorrida através de relação de trabalho, impedindo a fraude a eles imposta, mediante sua contratação por empresa prestadora de serviço de trabalho. A atuação do Ministério Público do Trabalho se dá, portanto, na defesa de interesses individuais homogêneos de caráter indisponível.
Nesse sentido, patente o interesse de agir do Ministério Público do Trabalho.
Afasto.
IMPOSSIBILIDADE JURíDICA DO PEDIDO
O pedido é juridicamente impossível quando existente vedação expressa no ordenamento jurídico, o que não ocorre no presente caso.
Rejeito.
MéRITO – LICITUDE DA TERCEIRIZAçãO (MATéRIA COMUM A AMBOS OS RECURSOS)
Sustenta a primeira requerida que, pela simples leitura da sentença, é possível verificar que se pretendeu adentrar-se nas funções próprias dos outros dois Poderes Constitucionais, definindo a oportunidade e a conveniência da execução de serviços de saúde, bem como por abarcar a função normativa em seu dispositivo.
Alega, mais, que a sentença proibiu a livre execução de parcerias entre entidades que sequer figuraram no pólo passivo da demanda (OSSs, ONGs, OSCIPs, etc), em clara afronta às normas processuais e constitucionais.
Por fim, aduz a primeira requerida que a sentença afronta o disposto no artigo 61, parágrafo 1º, inciso II, alínea “a” da CF, ao interferir na criação de cargos públicos, à medida que obriga a contratar ou deixar de contratar mais funcionários.
Por sua vez, a segunda requerida alega, em síntese, que a sentença ao acatar a tese de que a relação de parceria existente entre as rés caracteriza uma “irregular terceirização de mão-de-obra”, está negando validade às normas de direito administrativo, civil e constitucional que respaldam a cooperação entre as entidades rés, interpretando de forma transversa e ampliativa as disposições da lei laboral, além de contrariar o princípio da reserva legal.
O inconformismo das requeridas, entretanto, não deve prevalecer.
A MM. Juíza a quo julgou procedente em parte a presente ação civil pública, determinando que a primeira requerida se abstenha de terceirizar mão de obra na atividade fim da unidade hospitalar, por meio de celebração de qualquer espécie contratual, convênio ou termo de cooperação técnica, bem como que a segunda requerida se abstenha de fornecer mão-de-obra para laborar na atividade fim do Hospital. Em caso de descumprimento da sentença, foi estabelecida a multa diária (fls. 656/657).
A finalidade do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, segundo o artigo 2º da Lei Estadual 3.274/55, que o instituiu como entidade autárquica, consiste em:
“I – contribuir para a pesquisa e investigação científica, sob todas as suas formas;
II – servir de campo para a instrução de estudantes de medicina e enfermagem;
III – prestar assistência médico-hospitalar, na forma prevista no seu Regulamento;
IV – servir de campo de aperfeiçoamento de médicos, na forma prevista no seu Regulamento; e
V – colaborar e contribuir para a educação médico-sanitária do povo.”
Incontroversa nos autos a prestação de serviços por empregados da segunda requerida para a primeira, como médicos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem, atividades estas indiscutivelmente inseridas na atividade-fim do Hospital.
Desta forma, a primeira requerida, paulatinamente, vem substituindo a admissão direta de pessoal por concurso público, como reza a Constituição, em seu artigo 37, II, pela mão de obra terceirizada.
Cumpre ressaltar que o cerne da questão é a prestação de serviços terceirizados na atividade-fim da primeira requerida.
Não se discute o fato de que a Administração Pública possa celebrar contratos de parceria, cooperação, convênios, na forma da Constituição e da lei. O que se está repudiando é a utilização de contratos de parceria ou de prestação de serviços para a contratação indireta de pessoal para a atividade fim dos órgãos da Administração Pública.
No mais, inegável que a conduta das requeridas cause lesão aos interesses difusos de toda a coletividade de trabalhadores, propiciando a fraude aos seus direitos trabalhistas.
A contratação de empregados da segunda requerida para se ativarem em sua atividade fim pelo Hospital se deu em total afronta aos termos da Súmula 331 do C.TST.
Ademais, necessário destacar que, conforme apurado pelo Ministério Público do Trabalho, o Hospital, através da verba que recebe do SUS, repassa à Fundação que, de forma indireta, remunera os trabalhadores por ela contratados.
Ainda, as diretrizes para a contratação de mão-de-obra são fixadas pelo próprio Hospital, encontrando-se os trabalhadores diretamente subordinados à primeira requerida, portanto.
Sendo assim, por todo o explicitado nos autos, resta evidente a fraude na terceirização de mã-de-obra, devendo-se manter incólume a sentença de primeiro grau.
Boletim Aparecido Inacio e Pereira www.inacioepereira.com.br/visualizaBoletim.php?id=1321
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