Notícia
Por Marcio Pochmann
Participação dos salários na renda nacional voltou a subir em relação aos anos 1990, mas ainda há muito a recuperar. E a CLT requer novos capítulos – e não cortes – para proteção do novo trabalho imaterial
Nos dias de hoje pode parecer estranho relembrar que na década de 1990 tenha vigorado no Brasil as teses dos inempregáveis e do fim do emprego formal. Frente ao ridículo dinamismo econômico resultante do ajuste fiscal permanente e da liberalização comercial, produtiva e financeira, o desemprego, a informalidade e o desassalariamento foram predominantes.
A justificativa adotada pelos governos da época, assim como por parcela dos especialistas de plantão, era a de identificar tudo isso como um fenômeno natural e intrínseco aos novos tempos modernos. No contexto de avanço do progresso tecnológico, não haveria muito que fazer, conformando-se com o resultado da geração dos inempregáveis.
Restaria, assim, a flexibilização do mercado de trabalho e a saída do autoemprego para todos os que fracassavam na disputa por um posto de trabalho. Mais uma vez, a vítima – expressa pela expansão do excedente da força de trabalho – era transformada no responsável por sua própria situação, opondo-se à modernidade neoliberal da década de 1990.
Nesse sentido, medidas de proteção dos trabalhadores como a elevação real do salário mínimo ou a redução da jornada de trabalho eram imediatamente identificadas como atraso: a volta à inflação e ao protecionismo jurássico. Não sem motivo, o Brasil assistiu à queda contínua da participação dos salários na renda nacional, ao mesmo tempo em que a precarização tomou conta do funcionamento do mercado de trabalho.
No ano de 2004, por exemplo, a renda dos trabalhadores respondia por apenas 39,3% de toda a renda nacional, enquanto em 1990 era 45,3%. Na mesma linha, o emprego formal perdeu posição para o informal, enquanto o desemprego pulou de menos de 3% para 9% da força de trabalho ao longo dos anos de 1990.
A partir do início do século 21, com o abandono do receituário neoliberal, o Brasil voltou a dinamizar a economia com o avanço das políticas de defesa do salário mínimo e da legislação reguladora do mercado de trabalho. O contínuo aumento do salário mínimo acima da inflação ocorreu sem mudanças na inflação, acompanhado que foi pelo forte crescimento do emprego formal. Não houve, ainda, explosão da folha de pagamento do setor público, nem nos pequenos municípios; tampouco a quebra de micros e pequenas empresas. Destaca-se que mais de dois terços dos empregos formais gerados no Brasil de hoje são provenientes dos micro e pequenos negócios.
A parcela salarial voltou a recuperar-se em relação à renda nacional. Há ainda muito a se repor, pois o estrago na década de 1990 foi profundo e precisa de continuidade do crescimento econômico sustentável para a reconstrução do país em novas bases.
Isso implica olhar o futuro com lentes adequadas, não apenas pelo espelho retrovisor. Para as próximas décadas, o Brasil alcançará o auge demográfico em 2030, quando ingressará na fase inédita de redução absoluta da população, exigindo avanços inclusivos para além do trabalho.
Como a base das novas ocupações concentra-se no terciário – expresso pelo trabalho imaterial –, sabe-se que este não mais precisa de um local determinado e fixo para a sua realização, conforme observado na agropecuária, indústria e construção civil. Nos serviços, cada vez mais informatizados, o trabalho é realizado em qualquer lugar e horário, o que torna insatisfatório o sistema atual de regulação das relações de trabalho.
Atualmente, a jornada de trabalho não somente está mais intensa no local de sua realização, como também termina sendo levado para casa as demandas informacionais de trabalho (telefone celular, computador, internet etc.). Esse 'supertrabalhador' requer outro padrão de segurança social e trabalhista.
A Consolidação das Leis do Trabalho volta-se ao trabalho material. Para o novo trabalho imaterial urge consolidar um novo capítulo nas leis sociais e trabalhistas do país, não mais a volta ao passado.
Marcio Pochmann é professor do Instituto de Economia e pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho da Universidade Estadual de Campinas