Notícia
O Portal IG vem publicando uma série de matérias do jornalista Anderson Passos mostrando a situação de pacientes e funcionários no Complexo Psiquiátrico Juquery.
A matéria de 12/12/14 "À espera do fechamento, Juquery agoniza e vê funcionários virarem pacientes" resumo o processo de desinternação e a situação dos funcionários e pacientes que restaram no complexo. A Secretaria Estadual da Saúde não gostou da matéria e enviou uma nota, publicada no dia seguinte, desqualificando a reportagem e o SindSaúde-SP que foi procurado pelo Portal para falar sobre o complexo. O repórter do IG reafirmou o conteúdo da reportagem, informando que, além do SindSaúde-SP, foram fontes funcionários e moradores das imediações do complexo, que confirmaram o que diz a reportagem.
As informações relatadas na reportagem, muitas de anos anteriores, são denunciadas sistematicamente pelo SindSaúde-SP, representante dos trabalhadores públicos da Saúde no estado de São Paulo, inclusive para o Governo do estado. O Sindicato não faz oposição ao Governo do Estado de São Paulo por ser uma entidade filiada à Central Única dos Trabalhadores (CUT). É papel de uma entidade sindical cutista buscar atender reivindicações da categoria junto ao patrão que no nosso caso é o Governo do estado de São Paulo, incluindo na pauta melhorias nas condições e relações de trabalho, que, sendo ruins, são causas diretas do adoecimento profissional, com exemplos graves como os citados na reportagem.
Um sindicato não existe para fazer oposição a ninguém, mas sim para defender os legítimos direitos da categoria que representa. Assim como não deve ser o papel de um governo fazer oposição a um sindicato, mas sim buscar o diálogo e a negociações de reivindicações dos trabalhadores públicos, de forma democrática e transparente, para que não se tenha um volume tão grande de ações trabalhistas, demoradas, custosas para ambas as partes e em geral, justiça seja feita, com ganho para o trabalhador.
Abaixo as matérias do IG e respectivos links para o Portal onde podem ser vistas também uma série de fotos.
À espera do fechamento, Juquery agoniza e vê funcionários virarem pacientes
Por Anderson Passos - iG São Paulo | 12/12/2014 09:00
Complexo psiquiátrico fundado em SP no final do século 19 mantém 151 internos. Reportagem do iG esteve no local
O corpo em turbilhão antes da cerimônia de horror do eletrochoque: rigidez muscular, olhos esbugalhados, saliva abundante. Gritos ecoando pelos corredores do Juquery. A cena do passado parece iminente a cada passo dado no complexo psiquiátrico localizado a 30 quilômetros de São Paulo. E segue viva, e perturbadora, na mente de quem participa ou participou da rotina do local.
O iG teve acesso ao conjunto de prédios projetado por Ramos Azevedo, fundado por Franco da Rocha em 1898 e que, nos anos 70 e 80, chegou a abrigar entre 16 mil e 20 mil pacientes. O local, uma área de 185 mil metros quadrados, vive um processo de desativação que já dura uma década. Continuam no Juquery 151 internos remanescentes de períodos anteriores. Segundo a Secretaria de Saúde de São Paulo, são pessoas que "estão internadas há mais de 30 anos e não possuem retaguarda para reinserção social, devido à ausência dos familiares".
"A despeito de todas as dificuldades, no decorrer da última década o Hospital concentrou esforços com intuito de localizá-los. Nos últimos três anos ocorreram cinco altas familiares", diz a Secretaria de Saúde, em nota.
O cenário atual é menos horripilante que os dias de eletrochoque, mas igualmente triste. Quase tudo está envolto em mato, com jardins em desalinho. Os pacientes que seguem na instituição são invisíveis. Os funcionários vivem pelas sombras. O Juquery, às vésperas de 2015, é um retrato da desolação. Cães perambulam às dezenas ocupando espaços como os assentos de madeira das antigas áreas de espera na parte externa dos prédios. “Tem mais cachorro que gente” é uma frase comum entre os servidores.
“Deixamos de ser cuidadores dos pacientes para ser cuidadores dos funcionários”, desabafa uma servidora pedindo sigilo. O iG flagrou dois casos apontados por servidores: Terezinha (nome fictício) desentendeu-se com a chefia e foi transferida para a lavanderia. Lá, adoeceu e teve de se licenciar. Com dificuldades para falar e articular ideias, ela conta que estava no complexo para uma nova consulta – e um novo atestado médico. Narrou passagens desconexas de sua vida. “Sem foco não consigo resolver meus problemas”, reconheceu.
Outro funcionário que virou paciente cruzou com a reportagem acompanhado por dois cães nem uma passada agitada. Fumava um cigarro de palha. Chegando à porta de uma unidade disse algo ininteligível, aos gritos, a uma enfermeira e retomou o andar nervoso e sem destino. Tinha o olhar vazio e falava com alguém que não se podia ver.
O Sindicato dos Trabalhadores Públicos na Saúde no Estado de São Paulo (Sindsaúde) confirma que há denúncias de que os funcionários que restam no Juquery vêm ficando doentes. São frequentes os relatos de internações, assim como os pedidos de afastamento por questões de saúde.
A Secretaria de Saúde de São Paulo não se manifestou a respeito do quadro atual de funcionários ou do número atual de afastamentos de servidores.
Contagem regressiva
Os 151 internos do Juquery estão concentrados na chamada 3ª Colônia. Ao acessar os fundos do local, a reportagem do iG visualizou uma das enfermarias. O cheiro mais marcante é o de cigarro de palha ou industrializado – itens disputados como ouro e jamais compartilhados entre os pacientes. Tão logo a porta foi aberta por uma funcionária, uma paciente idosa tentou sair correndo. Foi imediatamente contida.
Um pátio nos fundos com árvores frutíferas permite aos pacientes realizarem atividades como confecção de tapetes, sacolas de pano e fronhas. Eles também pintam quadros. O grupo, inclusive, vai uma vez por mês ao Museu de Arte de São Paulo (Masp) como atividade terapêutica.
Na medida em que os pacientes morrem, o leito é fechado. Vale o mesmo para o servidor que se aposenta. A vaga é encerrada. É uma contagem regressiva digna de filme de terror.
Juquery em agonia
O quadro atual do complexo, um doente em estado terminal, tem uma causa específica: a reforma manicomial aprovada nos anos 90 e a Lei Federal 10.216/2011 que que veda internações de longo prazo com um desdobramento interminável: a ofensiva do governo de São Paulo para desativar o hospital, processo que já transcorre há dez anos.
A mudança nos manuais de atendimento psiquiátrico baniu não apenas a terapia do eletrochoque, item comumente usado para acalmar pacientes em estado de surto, como barrou a ideia de que longas internações podem recuperar os doentes. Em consequência disso, provocou a migração de pacientes do Juquery para instituições privadas ou mantidas por organizações sociais vizinhas.
Servidores relatam que os internos que não tiveram a sorte de ir para outro hospital passaram a perambular pela cidade de Franco da Rocha, sem destino. “Foi um negócio de deixar paciente na rua aqui que foi absurdo”, conta uma funcionária.
A última transferência massiva lotou quatro ônibus em um sem número de viagens num feriado de 7 de setembro prolongado. “Foi em 2011. Deram ponto facultativo para os funcionários numa terça, doparam os pacientes e na quarta, quinta e sexta seguintes levaram [os pacientes] embora. A gente fica se perguntando pra onde foram”, diz uma funcionária.
Governo de SP diz que Juquery não será desativado e critica reportagem do iG
Por iG São Paulo | 13/12/2014 12:42 - Atualizada às 13/12/2014 12:45
Para governo, fechamento de leitos decorre de nova política em saúde mental e não representa retrocesso no atendimento
A Secretaria de Saúde de São Paulo questiona, por meio de nota, o teor da reportagem “À espera do fechamento, Juquery agoniza e vê funcionários virarem pacientes”, do repórter Anderson Passos. O material, publicado no iG na sexta-feira (12), relata a situação precária do complexo, com um raio-x do local e depoimentos de servidores e pacientes.
Abaixo, a íntegra da nota oficial do governo e a resposta do repórter.
Em relação à matéria “À espera do fechamento, Juquery agoniza e vê funcionários virarem pacientes”, publicada nesta sexta-feira, 12 de dezembro, a direção do Complexo Hospitalar Juquery lamenta a abordagem equivocada em relação às mudanças que ocorreram na unidade no decorrer dos anos. O texto reforça um estigma e mostra desrespeito à política de desospitalização prevista pela Reforma Antimanicomial.
Todas alterações afetas ao Juquery não preveem a desativação, mas sim a reestruturação do local e a reinserção dos pacientes nos moldes da nova política de saúde mental, preconizada por legislação federal. Portanto, a reportagem erra ao citar a suposta “ofensiva do governo de São Paulo para desativar o hospital”.
O fechamento de leitos decorre dessa nova política e de forma alguma representa um retrocesso no atendimento em saúde mental. Pelo contrário. Todos os pacientes que saíram do Juquery foram transferidos para comunidades terapêuticas e instituições referenciadas do interior de São Paulo que oferecem planos mais adequados aos quadros de pacientes, que ainda são acompanhados por profissionais do hospital de origem.
A reportagem errou ao mencionar dois pacientes que teriam sido funcionários. Nenhum paciente internado atualmente é servidor do Complexo.
É inverídica a afirmação de que “os internos que não tiveram a sorte de ir para outro hospital passaram a perambular pela cidade de Franco da Rocha”. Nenhum interno foi abandonado na rua, como já dito.
Também é mentirosa a firmação de que em 2011 “a última transferência massiva lotou quatro ônibus”. Em 2010, havia 250 pacientes e atualmente há 151 internos. Cem pessoas não poderiam ter lotado quatro ônibus. A última transferência de elevado número de pacientes ocorrem em 2005 e 2006, quando internos foram transferidos para outras instituições, conforme mencionado acima.
A reportagem é completamente rasa ao abordar o afastamento de funcionários amparando-se em informações do SindSaúde-SP sobre denúncias referentes ao adoecimento de profissionais. É pertinente mencionar, ainda, que tal sindicato é ligado à CUT (Central Única dos Trabalhadores) e faz oposição sistemática ao governo de São Paulo.
Também parece ignorar que problemas de saúde não têm necessariamente relação direta com ambientes de trabalho. Boa parte do quadro de profissionais do Complexo são idosos e acabam solicitando licença médica por outros fatores alheios às questões psicológicas. A propósito, a unidade mantém conta com a Comissão de Saúde do Trabalhador e um núcleo de saúde para atender funcionários.
Quanto à vegetação do entorno, o Complexo esclarece que a manutenção das áreas verdes e ajardinadas é realizada sempre que necessário, com maior ênfase nos espaços com maior circulação de pessoas.
É importante pontuar, ainda, que a presença de cães no local decorre do abandono de ninhadas no entorno do Complexo pela população local. A direção já enviou ofícios à prefeitura de Franco da Rocha solicitando providências por parte do setor de Zoonoses, mas não obteve êxito. A região não dispõe de um Centro de Zoonoses ativo e, por isso, o governo estadual já cedeu ao consórcio intermunicipal um espaço para implantação do serviço em área pertencente do Complexo. A oferta foi feita há cinco anos e até hoje o equipamento não foi instalado.
Por fim, cabe ressaltar que o modelo manicomial foi completamente desativado. Todos os pacientes do Juquery são assistidos e tratados de forma completamente humanizada. Como prevê a lei, o hospital oferece assistência integral à pessoa portadora de transtornos mentais em tratamento em regime de internação, incluindo serviços médicos, de assistência social, psicológicos, ocupacionais, de lazer, e outros.
Resposta do reporter Anderson Passos
Reafirmo o que diz o texto da reportagem “À espera do fechamento, Juquery agoniza e vê funcionários virarem pacientes”. Há servidores insatisfeitos e com dúvidas sobre o que será do seu futuro. Todos lidam com o Juquery como um complexo em fase de desativação.
Dois servidores em tratamento psiquiátrico foram indicados e encontrados durante a visita. Viraram personagens no texto. A reportagem se comprometeu a preservar os nomes. Se ambos não são internos no complexo, como sustenta a secretaria, estão, no mínimo, em tratamento por lá. É correto dizer que funcionários se tornaram pacientes.
Importante salientar que a reportagem em nenhum momento sugeriu que os doentes são tratados de forma desumanizada, como aponta o governo estadual.
A nota, ao sugerir que a reportagem tem viés político porque o Sindsaúde, vinculado à Central Única dos Trabalhadores (CUT), faz oposição ao governo de Geraldo Alckmin (PSDB), apega-se a uma simplificação.
O governo nega a transferência em massa dos pacientes. Todas as fontes, entre elas servidores, o Sindsaúde e moradores das imediações do complexo, confirmam o que diz a reportagem.
http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2014-12-13/governo-de-sp-diz-que-juquery-nao-sera-desativado-e-critica-reportagem-do-ig.html
De funcionário a interno do complexo psiquiátrico: 'Juquery nunca me abandonou'
Por Anderson Passos - iG São Paulo | 07/12/2014 06:00 - Atualizada às 07/12/2014 13:58
Livro narra a trajetória de Walter Farias, auxiliar de enfermagem que ficou paranóico e acabou vivendo o inferno da internação
Um drama, uma tragicomédia, uma ironia do destino. Essas e outras leituras podem ser extraídas de "O Capa-Branca" (Editora Terceiro Nome), livro que conta em 191 páginas a trajetória de Walter Farias, funcionário e paciente de uma das maiores e mais antigas instituições psiquiátricas do País: o Complexo Psiquiátrico Juquery, localizado em Franco da Rocha, a 30 quilômetros da capital paulista.
O Juquery foi fundado por Franco da Rocha em 1898 e chegou a abrigar 20 mil pessoas
"O Capa-Branca", referência ao uniforme dos funcionários do Juquery, é narrado em primeira pessoa a partir de escritos produzidos por Farias e editados pelo jornalista Daniel Navarro Sonim.
"O Juquery nunca me abandonou. Os habitantes daquele mundo vão morar sempre na minha cabeça", diz Walter Farias, que ingressa no hospital, fundado em 1898, aos 19 anos ao ser aprovado num concurso público para ser auxiliar de enfermagem. O ano é 1972.
Inicialmente, cuida de pacientes paraplégicos ou com deficiência motora no Hospital Central, um dos espaços do complexo. Outra tarefa era acompanhar a transferência de pacientes para outras unidades.
Numa dessas viagens, um interno prometeu que, à saída do Juquery, contemplaria seus tutores, que esqueceram suas carteiras, com uma noitada em uma boate no interior. O doente não só cumpriu a tarefa como pagou as despesas.
Ladeado por criminosos
Um fantasma para a assombrar Walter quando a direção o transfere para o Manicômio Judiciário, também parte do Complexo do Juquery e que abriga doentes considerados perigosos.
"Uma vez a direção do Manicômio surpreendentemente resolveu instalar alguns televisores preto e branco no pátio para distrair os presos. A experiência durou pouco tempo. No primeiro Corinthians versus Palmeiras, antes mesmo do início do jogo, o pau começou a rolar solto e sobrou até para as TVs, que nunca mais voltaram", relembra Walter Farias no livro.
Acaba tendo contato também com um homem que, soube depois, fatiou a família a golpes de machado - e que se tornou seu segurança no manicômio nos momentos em que passou a ser ameaçado pelos presos.
João Acácio Pereira da Costa, o Bandido da Lulz Vermelha, também esteve entre os presos do Manicômio Judiciário em duas oportunidades. Na primeira, Luz Vermelha "era tão respeitado que, se ele gostasse de um par dos sapatos dos visitantes, pedia para que deixasse como presente. Ninguém ousava desobedecer".
Na segunda passagem, já com Walter Pires como funcionário, via-se um bandido decadente: "Várias vezes consegui falar com ele pela janela na porta da cela. Em uma dessas oportunidades, depois de achar que tinha conquistado minha confiança, ele me entregou uma carta. uma das poucas pessoas que ainda o visitavam esporadicamente, uma senhora de uma igreja, deveria recebê-la. Apesar de ter encaminhado o envelope aos chefes de disciplina, acredito que ela nunca o recebeu", depõe o funcionário-paciente na obra.
Colapso
A vida entre assassinos e psicopatas levou Walter Farias a flertar com o medo constante e a ser finalmente vencido pela loucura. Em casa, vendo um filme sobre um presídio, o personagem central do livro viu os presos saltarem da TV preto e branco para seu próprio lar.
"Depois do filme tive a certeza de estar desempenhando o papel de carcereiro, apesar de ter entrado no Juquery como atendente de enfermagem. Concursado. Com 23 anos de idade, da noite para o dia, eu me vi cercado de criminosos com alto grau de periculosidade", relata Pires.
Walter Farias foi internado no próprio Juquery sob a promessa de cura da paranóia. No entanto, como o psicólogo que cuidava de seu caso saiu em férias, o funcionário/paciente conheceu o inferno: foi constantemente surrado, teve parte dos dentes arrancados e sofreu ameaças de passar pelo eletrochoque.
"ECT é sigla de eletroconvulsoterapia - ou simplesmente eletrochoque. Cerca de 40 ou 50 pacientes eram submetidos ao tratamento em cada sessão. Pelo menos seis funcionários recebiam a convocação para dar conta de um paciente por vez."
Os funcionários imobilizavam pernas e braços (um em cada membro), outro segurava a cabeça - e aplicava o choque nas têmporas - e outro sentava sobre o tronco nas pernas do paciente. "Eles [os funcionários] diziam que a força do choque poderia torcer um membro, causando lesões irreversíveis em músculos e nervos."
O resultado do "exame" - prática praticamente abolida dos códigos de tratamento psquiátrico hoje em dia - é que o paciente, antes em crise, praticamente adormecia depois das convulsões provocadas pelos choques.
O saldo da passagem de Walter Farias pelo Juquery foi a aposentadoria por invalidez. Diariamente são cinco medicamentos pela manhã e dois à tarde. Além disso, a cada oito horas toma três comprimidos de diazepam e um de paroxetina, para combater a depressão.
http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/2014-12-07/de-funcionario-a-interno-do-complexo-psiquiatrico-juquery-nunca-me-abandonou.html
Escolhido para delatar Dilma foi torturado até enlouquecer e levado ao Juquery
Por Anderson Passos , iG São Paulo | 17/12/2014 13:11
Informação vai integrar relatório da Comissão Estadual da Verdade paulista, que deve finalizar documento em março
Capturado pela ditadura militar e escolhido pelo regime para ser um dos delatores da então integrante da VAR Palmares, recém fundida à VPR (Vanguarda Popular Revolucionária), Dilma Rousseff, o guerrilheiro Antônio Carlos Melo Pereira foi torturado pelo regime e, com sintomas de demência, enviado ao Hospital Psiquiátrico do Juquery, em Franco da Rocha (SP). Apesar da tortura e das pressões, o guerrilheiro não delatou sua companheira de lutas.
Corredor do Juquery, ontem militante preso para ser delator de Dilma passou cinco anos
"Eles [militares] queriam que o Melinho entregasse o paradeiro de algumas pessoas, inclusive a presidente Dilma Rousseff. Ele não colaborou e acabou sendo tão torturado que enlouqueceu e foi parar no Manicômio Judiciário do Juquery durante cinco anos e pouco. Só saiu depois da abertura política", lembra Ivan Seixas, um dos coordenadores estaduais da Comissão da Verdade paulista, que entrega seu relatório final em março do ano que vem.
Seixas e sua colega Suzana Lisboa visitaram os arquivos do Complexo Hospitalar do Juquery em 1983 após obterem determinação extra-oficial do então governador do Estado de São Paulo, Franco Montoro, então no PMDB, para buscar informações da presos políticos na instituição.
"Ficamos dois meses no Juquery trabalhando nos arquivos oficiais e cruzando dados. Fotos, prontuários. Dos presos políticos, que eram tratados naquela época como terroristas, três foram encaminhados ao Juquery. Os documentos verificados foram de 1970 a 1975", enfatiza.
Além de Melinho, como era conhecido, também foram encaminhados ao Manicômio Judiciário José Adolfo Costa Pinto e Aparecido Galdino Jacintho. "Nenhum deles morreu no Juquery. Se algum deles está vivo, talvez seja o Galdino", relata Ivan Seixas, ele mesmo ex-preso político nos anos 70 e enviado ao Manicômio de Taubaté, no interior paulista.
Costa Pinto era fundador da Aliança Libertadora Nacional (ALN) "e foi levado pra lá a pretexto de ter enlouquecido, a gente não sabem bem o porquê", relembra Seixas.
O coordenador da Comissão da Verdade paulista relatou à reportagem que outra prisão curiosa é de Galdino, conhecido como "profeta das águas".
"O Galdino liderava uma seita denominada de Exército de Deus e a menção desse nome foi o motivo para ele ser preso", relembra. "Muito antes da onda ecologista, ele defendia que a natureza deveria permanecer intocada e longe da ação do homem. Assim, ele se opôs à construção da represa de Rubinéia (na fronteira entre São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso), que era uma obra fundamental para os militares. Galdino foi submetido a um inquérito e o juiz Nelson da Silva Machado de Assis alegou que, mesmo acreditando em Deus, como Galdino, o condenaria a cumprir pena como louco no Manicômio Judiciário do Juquery."
O profeta das águas permaneceu no Juquery entre 1972 e 1979, até ter alta. Em 2005, o diretor de cinema Leopoldo Nunes exibiu um documentário no Festival É Tudo Verdade contando a trajetória messiânica de Galdino.
Resultados
Outro documento que chama a atenção e que será mencionado no relatório é justamente um ofício enviado à direção do Juquery por um coronel que indaga sobre o número exato de terroristas mantidos no hospital. "Vasculhamos os arquivos e esse ofício ficou sem resposta", comenta Ivan Seixas.
O jornalista admite que, em matéria de resultados, a Comissão estadual tende a não surtir efeito, ao menos do ponto de vista legislativo. "O relatório final será entregue ao presidente da Assembleia Legislativa, que provavelmente arquivará o documento já que se elegeu deputado federal em 2014", admitiu o coordenador.
A presidência da Assembleia paulista é exercida pelo tucano Samuel Moreira, ex-prefeito de Registro (SP) e eleito para a Câmara dos Deputados pela primeira vez. Outra possibilidade é Moreira acolher o relatório final e encaminhar uma cópia ao governador Geraldo Alckmin (PSDB). "Como é um documento em nível estadual, dificilmente produziremos avanços porque não é do interesse do governo que isso avance", diz Seixas.
Outros presos
A reportagem do iG apresentou a Ivan Seixas o relato de Walter Farias, funcionário que virou interno do Juquery e que afirma que havia mais presos políticos na instituição no período entre 1972, quando foi admitido via concurso público, e 1979, quando deixou a instituição aposentado, depois de ser internado.
"Essa lenda do Juquery eu já ouvi muitas vezes. A Comissão certamente vai tentar ouvi-lo. Mas a questão central é que para acontecer alguma coisa, ele [Walter Farias] tem de passar referências mais claras, descrevendo ao menos características dessas pessoas que podem nos associar com algum desaparecido. Precisamos de provas, de fatos novos", resume Ivan Seixas, que deve se encontrar no futuro com outras pessoas que passaram pelo Juquery a fim de apurar possíveis fatos novos.
O encontro, marcado inicialmente para esta terça-feira (16), acabou adiado e ainda não tem nova data para acontecer.
Em entrevista ao iG, Walter Farias, que ao lado de Daniel Navarro Sonim assina o livro "O Capa-Branca" - biografia que narra sua trajetória no hospital psiquiátrico -, sugere que as autoridades procurem localizar documentos dos pacientes.
"Eu mesmo vi prontuários com nome Ignorado 1, Ignorado 2 e por aí vai. Não pode tudo ter se perdido em 2005 naquele incêndio na administração. Quando o paciente ingressava no Juquery, ele já era fichado e, quando era enviado para uma Colônia, era feito novo registro", sugere Farias, emendando que esses dados devem ser cruzados com os dados do cemitério localizado na área do Complexo.
O ex-funcionário aponta ainda que os presos políticos eram submetidos a lobotomia dentro do hospital e que tais procedimentos eram realizados em áreas substerrâneas, que hoje estão sendo aterradas.
"Não temos essa informação", aponta Ivan Seixas. "O que sabemos é que os terroristas eram submetidos a torturas físicas de toda ordem nos porões da Ditadura e os que não cederam e entregaram seus colegas, acabaram enlouquecendo. E tudo isso tinha um rito: um preso político não ia para o Juquery automaticamente. Ele era submetido a inquérito policial militar, processo, julgamento e só então, se fosse o caso, era encaminhado para um hospital psiquiátrico", esclarece.
Seixas diz que os militares não poderiam ter interesse em simplesmente eliminar seus opositores, pois eles eram informantes úteis ao regime. "O modus operandi da ditadura era esconder e confundir. Se alguém era assassinado, eles atuavam para que essa vítima não fosse encontrada tão rapidamente e plantavam pistas falsas. Sobre presos políticos no Juquery, o que se tem até agora é que a lenda existiu, mas a confirmação não", encerra Ivan Seixas.
http://ultimosegundo.ig.com.br/politica/2014-12-17/escolhido-para-delatar-dilma-foi-torturado-ate-enlouquecer-e-levado-ao-juquery.html
joao pedro de faria | 07/01/2015 |
Carlos Alberto Nogueira Rodrigues | 07/01/2015 |