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    Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, na Associação Brasileira de Imprensa
    Autor: Revista Radis
    08/10/2015

    Crédito Imagem:

    A ansiedade parecia ter ido embora ao esperar na terceira fileira do auditório da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), no Centro do Rio de Janeiro, a solenidade de premiação da Personalidade Sur, eleita pelos integrantes da Federasur. Ao redor do homenageado, de terno e óculos escuros estilo aviador, um batalhão de fotógrafos o esperava sentar-se à mesa. Sem as lentes escuras, seus olhos pareciam se espremer como se tentassem enxergar algo longínquo, durante os longos discursos proferidos por convidados ilustres. 
    Quando chegou a sua vez de falar, as mãos deixaram de apoiar a cabeça, os olhos se arregalaram e os aplausos se tornaram frequentes. Mujica falou rápido e o protocolo não abriu espaço para perguntas. Sua saída foi tumultuada, com jornalistas pedindo análises, declarações ou previsões sobre a política brasileira. Desviando de microfones e gravadores, consegui chegar perto dele, mas sem sucesso para fazer qualquer pergunta. Ele entrou no elevador e a porta não fechou, parecia que todo mundo queria caber ali. Como se até a máquina estivesse sem paciência, começou a descer com a porta aberta, fazendo com que um dos repórteres, afoito, quase perdesse a perna ao arriscar entrar. Momento de tensão.
    À noite, na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o clima era totalmente diferente. A única pressão que parecia existir se resumia à dificuldade em conseguir um lugar para sentar. O pessoal estendia bandeiras de partidos, movimentos sociais e times, enquanto integrantes do staff, composto por estudantes e membros da Marcha da Maconha, distribuíam papéis onde a plateia escrevia perguntas destinadas ao ex-presidente do Uruguai. A capacidade de 2 mil lugares da Concha Acústica já havia sido ultrapassada quando ele apareceu; não houve como ficar sentada. Músicas sobre a legalização da maconha, o direito da mulher sobre o próprio corpo e a crise política foram entoadas fervorosamente. Estava ali parte dos jovens que sacudiu o país em 2013, que sentiu na pele como é ser tratado pela Polícia Militar do Rio de Janeiro e não vislumbra perspectivas de melhoras na política do país. A vinda de José “Pepe” Mujica não poderia ter sido mais oportuna. 
    Muitas pessoas acham que esse encontro foi um momento de utopia, que não é possível comparar Uruguai e Brasil, que a luta da esquerda brasileira é ultrapassada. Ou que ela é corrupta. É por isso que, para mim, escrever sobre Pepe é um desafio. O risco do uso dos clichês pode gerar um efeito contrário ao que o uruguaio diz e faz. Porque seu discurso ultrapassa fronteiras, não busca atacar partidos ou pessoas. Sua sabedoria está exatamente em criticar procedimentos que permitem a existência de partidos e pessoas corruptos e ultrapassados. 
    O ex-presidente afirmou, convicto, que nenhuma pessoa é capaz de continuar fiel aos seus princípios quando passa a viver uma realidade totalmente diferente da qual estava acostumado. Por isso ele prega que os políticos têm que viver como a maioria e não como uma minoria privilegiada, já que quando isso acontece, eles passam a representar essa minoria e adquirem seus valores. A política se transforma em um caminho para obter riqueza, o que para ele “é uma doença”. A cada frase dita, a multidão aplaudia, volta e meia cantava e os elogios sussurrados por mim e por muitos outros se perdia. Aquela figura parecia ser mentira de tão incrível!
    Mujica apertava os olhos outra vez, provavelmente por temer que a “tietagem” desviasse a atenção da mensagem que ele queria transmitir. Empolgado com a calorosa recepção, frequentemente sorria e perguntava o que a multidão cantava. E sorria de novo, sem deixar de advertir: “Não estou aqui para ser aplaudido”. Ele falou sobre a importância dos jovens conhecerem as diferentes culturas de seus próprios países; sobre a importância em desenvolver, junto com o conhecimento técnico, o senso crítico para que o trabalho não se torne apenas um meio de pagar contas e mais contas. E alertou: “Minha geração cometeu erros. Tentamos mudar o sistema através da força. Não repitam os nossos erros, mas cometam os erros de vocês. Para que a próxima geração possa cometer outros, e assim a evolução aconteça. Nós só podemos mudar alguma coisa de fato através da cultura”.
    Mesmo não tendo respondido as perguntas elaboradas por mim e pela repórter Elisa Batalha sobre a saúde pública na América Latina, seguimos na esperança de receber sua resposta por e-mail (surgiu um boato que Pepe responderia a todas) e saímos de lá mais otimistas com a certeza de que mais vale remediar a democracia do que sepultá-la.
    Laís Jannuzzi é estudante de Jornalismo na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e estagiária na revista Radis

    http://www6.ensp.fiocruz.br/radis/revista-radis/157/reportagens/popmujica










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