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    Todos contra o retrocesso
    Autor: Revista Radis
    01/02/2016

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    Nomeação de ex-diretor de manicômio para Coordenação de Saúde Mental põe movimento pela Reforma Psiquiátrica em alerta

    Em 14 de dezembro, quando o médico psiquiatra Valencius Wurch Duarte Filho foi nomeado para o cargo de Coordenador Geral de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde, o movimento em defesa da Reforma Psiquiátrica voltou a se unir. Entidades e lideranças, em conjunto, se posicionaram fortemente contra a substituição do professor Roberto Tykanori por um nome que consideraram “não identificado com as propostas da Política Nacional de Saúde Mental e sem inserção acadêmica ou produção científica na área da Saúde Mental”, como apontou por exemplo a Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme), em uma das muitas notas endereçadas ao ministro da Saúde, Marcelo Castro, pedindo que a nomeação fosse revogada.
     
    Usuários e profissionais de Rede de Atenção Psicossocial protestam em Brasília contra nomeação de Valencius Wurch para Coordenação de Saúde Mental (Fotos: Reprodução facebook Ocupação Fora Valencius)
     
     
    No dia seguinte, as salas da coordenação de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas em Brasília foram ocupadas por profissionais, acadêmicos, familiares e usuários ligados à luta antimanicomial no Brasil. Em 14 de janeiro, o (L)oucupa Brasília completou um mês. Cerca de mil pessoas, vindas em caravanas de vários estados, cantaram em uníssono “Fora Valencius” e reforçaram a posição de que não haveria recuo até a nomeação de outro profissional — comprometido com a construção histórica da Reforma Psiquiátrica e em diálogo com os movimentos sociais — para o cargo.
     
    A rejeição geral ao nome de Valencius se deve a seu passado. Ele dirigiu o maior manicômio privado da América Latina, a Casa de Saúde Dr. Eiras de Paracambi, no Grande Rio, entre 1993 e 1998. Fechado por ordem judicial em 2012, o hospital foi alvo de denúncias sobre violações dos Direitos Humanos, diante das condições subumanas a que os pacientes eram submetidos. Calcula-se que centenas tenham sido maltratados por anos, alguns até a morte, geralmente por fome, violência física, eletrochoques e doenças curáveis de fácil controle.
     
    O médico psiquiatra foi ainda um opositor histórico do movimento da luta antimanicomial e crítico da Lei 10.216/2001, que redirecionou o modelo assistencial em saúde mental no país. Em 1995, Valencius se declarou contra a Reforma Psiquátrica, considerando-a “de caráter ideológico, não técnico” e “baseada em situações ultrapassadas”, em entrevista ao Jornal do Brasil. Já Tykanori, que ocupou o cargo em 2011, é militante da luta antimanicomial desde os anos 1980. 
     
    Em sua nota, a Abrasme apontou que a substituição “de forma unilateral” de Roberto Tykanori foi uma “quebra de confiança entre as partes”. “O Sistema Único de Saúde e a Política Nacional de Saúde Mental são conquistas da sociedade brasileira, dos campos profissionais e particularmente dos usuários do sistema, seus familiares e as comunidades de onde se originam. Qualquer ameaça à integridade deste sistema e à continuidade do processo em direção a um sistema mais justo, equitativo, integral, organizado com uma sistemática transdisciplinar e descentralizada terá sempre consequências indesejadas do ponto de vista da busca do diálogo, do consenso entre partes e do compartilhamento das responsabilidades sociais”, diz o texto.
     
    O sistema Conselhos de Psicologia, formado pelo Conselho Federal de Psicologia e os Conselhos Regionais de Psicologia, afirmou entender que a simples indicação de Valencius, por si, já representa um retrocesso na política de saúde mental brasileira. “O escolhido pelo ministro representa interesses de uma política de privatização da saúde, de violação aos princípios fundamentais do SUS, da lei da Reforma Psiquiátrica e dos Direitos Humanos”. O termo “escolhido pelo ministro” faz referência à ligação pessoal de Valencius a Marcelo Castro.
     
    A nomeação foi previamente anunciada por Castro em audiência com uma comissão constituída por membros de sete entidades — Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco), Abrasme, Centro de Estudos Brasileiros de Saúde (Cebes), Conselho Federal de Psicologia (CFP), Instituto de Medicina Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IMS/Uerj), Movimento Nacional da Luta Antimanicomial (MNLA) e Renila — em 10 de dezembro. A comissão representava 656 movimentos sociais que subscreveram uma “Carta aberta ao ministro da Saúde” apontando preocupações com seus posicionamentos em relação à saúde mental. O ministro apresentou, então, o nome do novo coordenador de Saúde Mental.
     
    Dessa reunião saiu uma “Nota pública contra a nomeação de Valencius Wurch Duarte Filho para a CGMAD/MS”, em que as sete entidades afirmam que “a postura reconhecidamente contrária de Wurch Duarte Filho à luta por uma sociedade sem manicômios o desabona à gestão das políticas públicas do SUS”. A nota elenca a atuação de Valencius como diretor-técnico da Casa de Saúde Dr. Eiras de Paracambi e sua oposição ao marco regulatório da Política Nacional de Saúde Mental. “Preocupa-nos pensar que o Dr. Valencius W. Duarte Filho seria alguém competente para atuar como Coordenador Nacional de Saúde Mental de modo alinhado aos princípios da Reforma Psiquiátrica e da Política Nacional de Saúde Mental, tendo em vista que, há décadas, tem uma contínua e ininterrupta atuação em hospitais psiquiátricos”.
     
    O texto indica ainda que o médico psiquiatra não possui trabalhos publicados no âmbito da psiquiatria e da saúde mental, o que, para as entidades, “torna insustentável a argumentação do Sr. Ministro, para quem o cargo exige autoridade científica”. “O anúncio realizado pelo Sr. Ministro da Saúde na mencionada audiência contrapõe-se ao compromisso do governo federal com a continuidade da Política Nacional de Saúde Mental, Álcool e outras Drogas, na perspectiva da garantia dos direitos humanos e do cuidado territorial e comunitário”.
     (Foto: Reprodução facebook Ocupação Fora Valencius)
     
    A nomeação gerou reações também fora do Brasil. O psiquiatra Manuel Desviat, ex-presidente da Associação Espanhola de Neuropsiquiatria e assessor durante mais de duas décadas no Brasil pela Organização Pan-Americana da Saúde (Opas/OMS), escreveu carta pública ao ministro, em que diz que “é difícil de entender que a política de saúde mental estabelecida em seu país, e desenvolvida por distintos governos há cerca de três décadas, seja posta em questão neste momento, ao ser nomeado como Coordenador Nacional de Saúde Mental um psiquiatra que não apenas não representa a política vigente até agora no seu país, mas que foi beligerantemente contrário a esta política”. Para Desviat, “as razões técnicas alegadas para tal nomeação são extremamente frágeis, bastando verificar a trajetória e o currículo deste profissional”.
     
    A campanha #ForaValencius chegou ao Facebook e também tomou as ruas em cidades como Rio de Janeiro, Recife, Brasília e São Paulo, onde houve protestos com centenas de militantes da luta antimanicomial contrários à nomeação durante o mês de janeiro. A versão oficial do Ministério da Saúde é a de que Valencius “reforça a política de humanizar o tratamento a doentes mentais”. Em artigo publicado no jornal O Globo (12/1), o ministro Marcelo Castro defendeu a indicação de Valencius, argumentando que não teve oportunidade de “demonstrar publicamente que essa escolha é conforme a política de saúde mental que está nas leis, nos pactos nacionais e internacionais que preconizam a humanização do cuidado da pessoa com transtorno psíquico”.
    Segundo o ministro, suas escolhas “visaram garantir as políticas de saúde aprovadas em lei, em acordos federativos tripartite, em pactos nacionais e internacionais, na continuidade dos avanços alcançados, como é o caso da saúde mental”. No artigo, Castro destacou que o país escolheu uma avançada e humanizada política de saúde mental, e comprometeu-se a defende-la: “Como psiquiatra de formação, terei grande satisfação de implementá-la e elevá-la aos melhores níveis. Isso significa coibir os desvios de sua execução, além de buscar humanização e a garantia progressista de tratar as pessoas que necessitam desses cuidados. Esse é o compromisso com a sociedade brasileira”.

    http://www6.ensp.fiocruz.br/radis/revista-radis/161/reportagens/todos-contra-o-retrocesso










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