Notícia
A operação é de guerra. Na noite de 3 de fevereiro, em cadeia nacional, a presidenta Dilma Rousseff conclamou o povo brasileiro a se unir contra o mosquito Aedes aegipty. Não bastasse carregar os vírus da dengue e da febre chikungunya, transmite ainda o zika – que passou de pesadelo distante a ameaça real pelas fortes evidências de causar microcefalia, anomalia até então rara, caracterizada pelo tamanho da cabeça e do cérebro menor que o normal para a idade e sexo do bebê. Entre as consequências, estão problemas neurológicos, musculares e cognitivos.
Estudos realizados no Brasil, nos Estados Unidos e na Europa identificaram a presença do vírus no cérebro de bebês que nasceram com microcefalia, bem como na placenta. Foi um órgão público, o Instituto Evandro Chagas, vinculado ao Ministério da Saúde, o primeiro a encontrar a presença de zika em amostras de tecidos e sangue de um bebê morto minutos após o nascimento, com microcefalia, no Ceará. A descoberta evidenciou o elo, observado depois em outros estudos.
O Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês), do governo dos Estados Unidos, analisou amostras de tecidos de bebês que morreram horas depois de nascer, com a mesma anomalia. Os pesquisadores encontraram anticorpos para zika em amostras de tecidos do cérebro e também na placenta. O mesmo Instituto Evandro Chagas constatou que o vírus causou a morte de um homem de 35 anos em 2015, sugerindo as possibilidades de alcance do zika.
Com a ajuda de estados, o Ministério da Saúde investiga 3.670 casos suspeitos de microcefalia – 76,7% das notificações. Desse total, 404 são mesmo de microcefalia e/ou outras alterações cerebrais, apenas 17 relacionados ao vírus. Ao todo, 4.783 suspeitas de microcefalia foram notificadas até 30 de janeiro. Em meio às fortes evidências dessa relação, ressurgiu o debate sobre a inclusão da anomalia entre os critérios para o aborto legal – medida recomendada pela Organização das Nações Unidas (ONU).
Como ainda não existe uma vacina ou tratamento específico que anule os sérios efeitos dessa infecção às gestantes, a prevenção é o melhor remédio. E, nesse caso, prevenir significa combater o mosquito transmissor, que já havia sido erradicado na década de 1950 e que voltou 30 anos depois para tirar o sossego de governos, autoridades de saúde e populações. “O único jeito é não deixar o mosquito nascer”, reforçou a presidenta.
“Estamos num país tropical muito favorável à proliferação desse mosquito e à consequente circulação desses vírus. Para complicar, 80% dos focos estão dentro das residências”, diz o presidente do Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde (Conasems), Mauro Junqueira. Gestor municipal na prefeitura de São Lourenço (MG), Junqueira chama a atenção para o aspecto “democrático” do inseto, que não escolhe suas vítimas conforme sexo, raça, idade, profissão ou classe social. Tampouco o padrão das residências e os bairros, pobres ou ricos, onde as fêmeas encontram as condições ideais para colocar seus ovos.
“A fêmea gosta de água parada. Antes, preferia água limpa. Agora, está aproveitando até água suja. Então, onde tiver água parada, terá mosquito depositando ovos: piscinas, utensílios que acumulam água, o lixo comum e até garrafas de bebidas, normalmente acumuladas em finais de semana, depois de festas em famílias de todas as classes sociais”, completa Junqueira.
Para ele, esse aspecto aumenta o desafio. “O mosquito gosta de gente, seja da classe que for. A população precisa se conscientizar da gravidade do zika e de sua responsabilidade nessa luta de combate ao transmissor. Temos de manter vigília constante, não deixar nenhum criadouro prosperar. E entender que uma possível vacina contra a dengue, ainda em estudos, não substitui o combate ao vetor.”
Na guerra ao Aedes, o governo colocou, em 13 de fevereiro, 220 mil militares da Marinha, do Exército e da Aeronáutica – 60% do efetivo – em ruas, residências, escolas e outros estabelecimentos de 356 municípios, das capitais e de outras 115 cidades consideradas endêmicas, distribuindo material informativo e conscientizando a população para a necessidade de eliminar potenciais criadouros do mosquito. Até o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, e o chefe da Controladoria-Geral da União, Carlos Higino, estiveram entre os mais de 30 ministros e autoridades escalados para compor a força-tarefa em diferentes municípios.
Em outra frente, o governo brasileiro se reuniu com autoridades de saúde dos países vizinhos para reforçar a vigilância, acompanhar o comportamento do vírus e propor medidas de proteção à população. Uma cooperação que envolve os institutos públicos de saúde brasileiros no treinamento de técnicos – para a realização de testes para a detecção do zika – de Paraguai, Peru, Uruguai e Equador, além de protocolos de atendimento às gestantes e bebês com microcefalia e o de estimulação precoce, lançados assim que foi decretada emergência em saúde.
Além de conclamar os brasileiros e pedir “sensibilidade à gravidade da situação” aos parlamentares em pronunciamento na abertura do ano legislativo, Dilma conversou com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama. Fechou parceria com o governo norte-americano para protocolos de identificação do zika e dos casos de microcefalia, e para pesquisa de vacina. Por aqui, o ministro da Saúde, Marcelo Castro, visitou institutos públicos para discutir parcerias para o desenvolvimento de um imunizante. No caso do Butantan, vinculado à Secretaria Estadual da Saúde de São Paulo, aproveitou para saber mais sobre os atrasos na vacina contra a dengue – que, mesmo que tudo dê certo, não deverá estar pronta antes de 2021.
A resposta do governo brasileiro, elogiada pela ONU e pela Organização Mundial da Saúde (OMS), é reconhecida também no Brasil. “É muito importante avisar a população sobre os riscos”, disse o médico sanitarista Gastão Wagner de Sousa Campos, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e presidente da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco). A entidade, porém, faz ressalvas ao modelo de combate ao mosquito e defende investimentos imediatos na sustentabilidade das cidades.
Em carta divulgada recentemente, a associação destaca a urgência da articulação entre vigilância sanitária, promoção da saúde, desenvolvimento social e educação popular em saúde no controle do vetor. Em resumo, saneamento básico, esgotamento sanitário, coleta de lixo inclusive nos espaços públicos e particulares e principalmente ao fornecimento de água de maneira apropriada e regular, para que a população não tenha de armazená-la muitas vezes de maneira inadequada, multiplicando os criadouros.
Não é à toa, segundo o documento, que os casos ou suspeitas de microcefalia têm maior incidência nas áreas mais pobres, onde esses problemas se acumulam e se somam à falta de ações de vigilância à saúde pela falta de integração entre municípios, estados e União no financiamento e gestão do SUS. Nessa perspectiva, o controle da infestação do Aedes pela destruição de criadouros se daria pela imediata melhoria, de forma contínua e sistemática, das condições socioambientais urbanas.
Ainda conforme o documento, essas medidas devem ser acompanhadas de cuidado preventivo e atenção à saúde das pessoas expostas ao risco e infectadas, a partir de uma política pública perene, com especial atenção ao pré-natal. E em médio prazo, devem ser apoiadas pesquisas para produção de vacinas, estudos sobre a epidemia, seus modos de transmissão e danos ao sistema nervoso, além de testes clínicos.
O posicionamento da Abrasco encontra respaldo entre os gestores municipais de saúde, muitos dos quais não deram trégua em ações de prevenção durante o carnaval. “Porém, suas recomendações se aplicam no longo prazo, com planejamento e vontade política”, opina Mauro Junqueira, do Conasems. “Infelizmente não se muda a estrutura de um dia para o outro. Temos de iniciar lá na educação. O primeiro passo é envolver a comunidade, formar pessoas com outra mentalidade, preparar a classe política para esse enfrentamento. É um processo de construção para que a gente não siga apagando incêndio, como fazemos, enxugando gelo”, diz.
“O que é possível fazer neste momento é seguir mobilizando a população porque o risco é muito grande. E precisamos de respostas rápidas. São mais de 4 mil casos suspeitos de microcefalia, 10% confirmados. E os 90%? O que são? Estamos demorando um pouco. É tudo muito novo. Estamos demorando para desenvolver kits para fechar o diagnóstico. Com a parceria e o dinheiro dos Estados Unidos vamos acelerar a pesquisa”, acredita o presidente do Conasems.
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