"A velhice não começa aos 60 anos"
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    "A velhice não começa aos 60 anos"
    Autor: Revista Radis
    02/03/2017

    Crédito Imagem: SINDSAUDESP

    A velhice é construída durante toda a vida e requer um investimento continuado das políticas públicas. É o que defende Karla Giacomin, médica geriatra e pesquisadora do Núcleo de Estudos em Saúde Pública e Envelhecimento (Nespe) do Centro de Pesquisa René Rachou (CPqRR)/Fiocruz Minas. Em entrevista à Radis, ela defendeu que é preciso falar do inevitável envelhecimento da população e lutar pela materialização das leis existentes. A pesquisadora criticou a lógica capitalista, que orienta os cuidados para quem ainda está em idade produtiva, e advertiu: “Todas as ações em saúde repercutem nas condições em que se chega e em que se vive a velhice”. 
     
    Você defende que todas as políticas de saúde se orientem a partir da pessoa idosa. Por que? 
    Todas as ações em saúde e nas demais políticas sociais — e a falta delas — repercutem nas condições em que se chega e em que se vive a velhice. E isso inclui o pré-natal, as condições do parto, o acesso à educação e a oportunidades de desenvolvimento pessoal ao longo de toda a vida, as condições de trabalho e de previdência, entre outras. Segundo a OMS, a população idosa demanda até quatro vezes mais internações do que a média da população. No Brasil, os idosos representam 13% da população geral, contudo já respondem por 1/3 do total dos custos com esses atendimentos no SUS. Eu vejo que a velhice não começa aos 60 anos, ela se constrói ao longo da vida. Mas a vida tampouco termina aos 60 anos: é preciso continuar investindo na dignidade do ser humano e aprendendo com ele até o fim.
     
    É possível conciliar o cuidado integral com o idoso e outras demandas de saúde não resolvidas? 
    Uma justificativa frequente para a falta de políticas para idosos é o argumento de que o Brasil está envelhecendo rápido e antes de enriquecer, não sendo possível copiar modelos europeus, canadenses ou japoneses que seriam onerosos e inadequados à nossa realidade. Só que a situação está posta e não vai se modificar. Ela precisa ser enfrentada. A população brasileira continuará envelhecendo de maneira irreversível e demandando a atuação responsável do Estado. Como mudar esse comportamento passivo e, em certa medida, negligente de todos os atores — Estado e sociedade? Eu acho que falta a materialização das leis existentes, considerando o envelhecimento populacional em outra perspectiva mais realista e solidária. Embora a população idosa seja a grande usuária de serviços públicos, diferentemente de outros públicos que contam com programas e ações concretos e estabelecidos, o público idoso ainda precisa ser notado na sua especificidade.
     
    O que explica essa invisibilidade?
    Há uma questão de fundo que é a resistência velada da sociedade brasileira diante da perspectiva de envelhecer. Entendo que envelhecer como um ribeirinho da Amazônia, um sertanejo nordestino, um morador de rua da metrópole ou um gaúcho dos Pampas são experiências muito diversas que necessitam respostas diferentes das políticas públicas. O Brasil se preocupa com as crianças, pois elas são vistas como o futuro do país, mas lida com a velhice como se não fosse um problema seu. Isso reproduz a lógica capitalista, já que a atenção ocorre enquanto a pessoa é produtiva. Então, o Estado precisa ter uma política de cuidados de longa duração para atender a essa população que, na prática, revela as carências das políticas públicas.
     
    Como o Brasil pode melhor se preparar para que seus idosos envelheçam bem?
    É preciso falar sobre isso. É tempo de refletir sobre o que significa envelhecer para cada política social. Nosso projeto de sociedade inclui a velhice dos cidadãos brasileiros? Nosso projeto de vida inclui a nossa velhice? Como lidamos com a perspectiva da morte e do morrer? As respostas a essas questões não são óbvias. O direito a envelhecer e a morrer com dignidade ultrapassa em muito a adoção de comportamentos saudáveis, o controle de enfermidades crônicas, ou o limite etário. A efetivação desse direito necessita da existência de políticas públicas ao longo de toda a vida, mas tampouco se restringe a elas. Cada profissional, em sua formação, deveria refletir sobre seus próprios sentimentos ante o envelhecimento, suas atitudes frente à velhice e à morte, e como eles influenciam a sua relação com a pessoa idosa — e consigo mesmo — enquanto envelhece. Afinal, cada um lida com a pessoa idosa conforme seu próprio conceito de envelhecimento e de morte. (L.M.)
    Autor: Liseane Morosini









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