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São Paulo – Considerado um hospital de excelência na pesquisa e no tratamento do câncer em toda a América Latina, o Instituto do Câncer do Estado de São Paulo Otávio Frias de Oliveira (Icesp) tem ao menos 17 leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) equipados, mas sem utilização pela população. Os leitos ficam no nono andar do prédio de 28 andares no complexo do Hospital de Clínicas, em Cerqueira Cesar, região central da capital paulista. O mesmo andar mantém um armário cheio de equipamentos para UTI, também sem uso. O hospital é administrado pela Fundação Faculdade de Medicina (FFM) com supervisão da Secretaria de Estado da Saúde.
As imagens a que a RBA teve acesso mostram dois módulos de UTI, o 4 e o 5, o primeiro com oito leitos e o segundo com nove. O andar conta com quatro módulos, com 50 leitos de UTI. Nas imagens é possível ver que os espaços têm camas, monitores de sinais vitais, sistemas de fornecimento de oxigênio, computadores, bombas de perfusão, entre outros equipamentos. A unidade não identificada tem ainda uma grande quantidade de macas e outros equipamentos amontoados. Um armário contém outros equipamentos do mesmo tipo. Todas as salas têm portas de vidro. As do módulo 5 ficam trancadas 24 horas. No módulo 4, onde há menos equipamentos, funcionários guardam pertences e fazem pequenas reuniões.
Outros 30 leitos ficam no 10° andar, divididos em dois módulos. Porém, a conta não fecha: O site do Icesp diz contar com 85 leitos. A reportagem contou 80, sendo 17 sem atividade. Nos módulos em que o atendimento aos pacientes está sendo realizado, nem todos os leitos estão ocupados. No módulo 6, de nove leitos, apenas quatro estavam ocupados. Trabalhadores ouvidos pela reportagem disseram, sob condição de anonimato, que há cerca de um ano as unidades foram equipadas, mas não foram ativadas. O problema seria a falta de profissionais.
Os relatórios de gestão do Instituto do Câncer estão desatualizados. Na página oficial do instituto, o último documento refere-se ao ano de 2013. No final daquele ano, o número total de colaboradores, entre prestadores de serviço, médicos credenciados e contratados com carteira assinada, era de 4.414 profissionais.
A edição número 89, de janeiro, do Jornal da FFM (gestora da unidade), que trata da retomada do modelo de contrato de gestão entre a entidade e a Secretaria da Saúde para administração do hospital, cita que o Icesp tem 3 mil colaboradores em atividade. Uma redução de quase um terço dos trabalhadores em quatro anos.
O Icesp foi criado em 2008, pelo então governador e atual senador José Serra (PSDB), com investimentos de R$ 270 milhões em obras e equipamentos e custo anual estimado em R$ 190 milhões. Desde então, tornou-se referência nacional em pesquisa e tratamento do câncer, tendo realizado três milhões de procedimentos em 45 mil pacientes, até janeiro.
"O instituto conquistou importantes selos e acreditações", informa o Icesp. "Em 2010, foi reconhecido pela Organização Nacional de Acreditação (ONA) e, em 2014, pela Joint Commission International (JCI), metodologias que estabelecem requisitos específicos e acreditam a qualidade e a segurança dos serviços de saúde. Também em 2014, a Instituição foi reconhecida internacionalmente pela Commisssion on Accreditation of Rehabilitation Facilities (Carf), considerada uma das mais importantes acreditações em reabilitação."
Porém, essa estrutura poderia estar atendendo mais gente, em um país que ainda não conseguiu equalizar a demanda por atendimento a pacientes com câncer. Na inauguração, previa-se que o instituto teria 120 consultórios médicos, 580 leitos, sendo 85 UTIs. Com pleno funcionamento, a unidade deveria realizar 1,5 mil internações, 33 mil consultas ambulatoriais, 1,3 mil cirurgias, 6 mil sessões de quimioterapia e 420 de radioterapia, por mês.
Oito anos depois, os números ainda não alcançaram a meta estimada. De acordo com o Relatório de Gestão 2016 da Fundação Faculdade de Medicina, que tem um capítulo dedicado ao Icesp, a unidade, “hoje com 100% de sua capacidade instalada”, funciona com 103 consultórios médicos, 499 leitos, sendo 85 de UTI – e parte delas sem uso, conforme relatado.
Em 2016 foram realizadas, em média, 18,4 mil consultas médicas, 4 mil sessões de quimioterapia e 729 cirurgias, por mês. Os números melhoram em relação às sessões de radioterapia, que foram, em média, de 4.680 por mês. Em 2013, o governo federal determinou que a espera pelo tratamento não poderia ser superior a 60 dias. Mas, na prática, em todo o país, as pessoas esperam até nove meses. No Brasil, estima-se em 600 mil os novos casos de câncer anualmente, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca).
A Secretaria da Saúde não se manifestou sobre o caso.
A assessoria de imprensa do Icesp afirmou, por meio de nota, que a UTI nunca esteve ociosa e que o atendimento na Unidade de Terapia Intensiva "nunca foi reduzido e sim ampliado, gradativamente, desde sua inauguração, em 2008". Atualmente, diz a nota, o Icesp possui 499 leitos de internação instalados, sendo 85 na UTI.
Sobre o apontamento de centros de UTI sem pacientes, o Icesp afirma: "Alguns leitos da UTI estão em processo de implantação, assim como os equipamentos apontados pela reportagem. É importante considerar que a dinâmica assistencial de uma unidade de alta densidade tecnológica como a UTI exige equipamentos em quantidade disponível que garanta sempre a operação segura nas rotinas de higienização, manutenção corretiva e preventiva sem que estes causem bloqueios de internação ou suspensão de tratamento".
Sobre a informação de leitos sem uso, diz o instituo: "O Icesp dispõe de uma unidade interna de gestão de leitos hospitalares que monitora em tempo real a ocupação de leitos do hospital garantindo o uso do total de sua capacidade operacional, considerando a disponibilidade de leitos para atendimento a pacientes em cirurgia (reserva de leito para o pós cirúrgico), intercorrências (emergências) clínicas no pronto atendimento e nas unidades de tratamentos ambulatoriais e de internação".
A nota acrescenta que o Icesp possui cerca de 40 mil pacientes em tratamento, recebe cerca de 900 pacientes novos por mês, atende 6.800 pacientes em tratamento quimioterápico/mês e realiza 4,5 mil sessões de radioterapia/mês, 31,3 mil consultas ambulatoriais e mais de 1.000 procedimentos cirúrgicos/mês.
"É importante esclarecer, também, que o processo de implantação da unidade tem sido progressiva, com a busca pelo desempenho que maximiza o uso da capacidade produtiva com manutenção da qualidade no atendimento", conclui a nota.