Uma economia quebrada à espera da eleição
Sindicato unido e forte
desde 1989


    Uma economia quebrada à espera da eleição
    Autor: Carta Capital - Carlos Drummond
    23/08/2018

    Crédito Imagem: Carta Capital

    Auxiliado pelo Congresso, o governo esmagou o mercado de trabalho, o poder de compra dos consumidores e a capacidade de inovação do País
     

    O país das próximas eleições tem como característica central a regressão acelerada em relação aos períodos de maior avanço econômico e social, entre os anos 1940 e meados da década de 1970 e em menor escala de 2002 a 2015.

    A maioria das pessoas, descreve o economista Paulo Gala, da Fundação Getulio Vargas, está hoje empregada em pequenos comércios, restaurantes, cabeleireiros, padarias e farmácias. Não há grandes indústrias high tech nem serviços empresariais sofisticados e com escala. Não há inovação tecnológica nem novos produtos. “É a economia da padaria”, compara Gala.

    A situação deplorável do mercado de trabalho destaca-se no quadro de retrocesso e bloqueia a retomada a partir do consumo de massa. Outro aspecto desalentador é o virtual descarte, pelo governo e a maioria do Congresso, dos principais motores de desenvolvimento tecnológico e da inovação no País, da Petrobras, controlada pelo Estado e em processo de desmonte acelerado, e da Embraer, empresa privada de alto interesse nacional, mas prestes a passar para o controle da estadunidense Boeing.

    “Somando-se 13 milhões de desempregados com cerca de 13 milhões de subocupados, tem-se um quarto da força de trabalho de 104,2 milhões de pessoas à deriva. É um quadro revelador da gravidade da situação econômico-social atual”, chama atenção o economista Marcelo Manzano, professor da Facamp.

    A situação é muito ruim e vai piorar quando se generalizar a adoção da nova legislação trabalhista, prevê o economista Eduardo Fagnani, da Unicamp e do site Plataforma Política Social. Os sindicatos buscam a negociação coletiva, mas, como a taxa de desemprego é alta, fica difícil mobilizar os trabalhadores, relata a socióloga Adriana Marcolino, do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). Os três especialistas debateram o tema em encontro organizado pelo Le Monde Diplomatique.

    O mercado de trabalho fraco não gera consumo suficiente para levar as empresas a investir em tecnologia e aumento da produção e sem investimentos elas não criam empregos. “O Brasil caminha para ter um capitalismo sem consumidor, porque as pessoas não terão renda para consumir”, dispara Fagnani. No segundo trimestre, a população desocupada recuou -5,3%, de 13,7 milhões para 13 milhões, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, portanto não houve mudança significativa.

    Segundo Cimar Azeredo, coordenador de Trabalho e Rendimento do IBGE, o declínio aconteceu principalmente em função do número de pessoas procurando trabalho. A pesquisa mostra também uma redução expressiva na população empregada com carteira de trabalho assinada, que atingiu o menor nível anual desde o início da série, criada em 2012. O aumento da população trabalhando na indústria, principalmente na têxtil e de confecções, divide-se entre trabalhadores com carteira e aqueles que trabalham por conta própria, principalmente costureiros, destaca Azeredo.

    Além da estagnação e da degradação do mercado de trabalho em consequência da recessão, da austeridade e da nova legislação trabalhista, o eleito em outubro encontrará um setor industrial fragilizado pela liquidação selvagem de ativos da Petrobras, a maior empresa do País e centro de articulação da principal cadeia produtiva, e pela desnacionalização da Embraer.

    A facilidade com que o País se desfaz da petroleira e da fabricante de aviões é de estarrecer, pois no centro da disputa mundial polarizada entre EUA e China estão a tecnologia e a inovação, as impulsionadoras do crescimento sustentado, da geração de empregos de qualidade e do aumento de produtividade. No Índice Global de Inovação de 2018, apesar de ter subido cinco posições, o País aparece só no 64º lugar entre 126 economias, abaixo do Chile, da Costa Rica e do México.

    Imagine-se então qual seria a colocação sem a Petrobras e a Embraer, as que mais investem entre as nove brasileiras integrantes das 2,5 mil corporações com maiores desembolsos em pesquisa e desenvolvimento no mundo, segundo o Industrial Research and Innovation Monitoring and Analysis (Irima), da Comissão Europeia. WEG, Vale, Totvs, Natura, BRF, CPFL e Braskem, as duas últimas recentemente desnacionalizadas, completam a lista das companhias locais que participam com 0,25% dos gastos com pesquisa e desenvolvimento entre as 2,5 mil maiores corporações globais.

    Os propalados cortes de verbas do governo para pesquisa seriam o epílogo do processo de degeneração que ameaça devolver o Brasil aos primórdios do desenvolvimento da ciência local, no início do século XIX.

    “A gravidade da situação do mercado de trabalho fica evidente na precariedade dos empregos que estão surgindo. Do fim de 2013 até junho, o País perdeu 3 milhões de empregos formais e quase 4 milhões de empregos informais. A pequena recuperação que houve foi no trabalho informal, basicamente de mão de obra menos qualificada. São empregos na margem do mercado de trabalho ocupados em grande medida por jovens com baixo grau de escolaridade, baixa remuneração e precários”, analisa Manzano.

    A reforma trabalhista retrocedeu a 1940, do ponto de vista dos direitos dos trabalhadores, destruiu o sindicato e o Ministério do Trabalho e anulou o poder de barganha para aumentar salários e assim elevar o poder de compra. Alguns números evidenciam a radicalidade da escalada. A taxa anual de desemprego medida pelo IBGE, que era de 12,6% em 2002, caiu para 4,8% em 2014, mas em 2016 retrocedeu para 11,6%. Em dois anos, acabou-se com o que levou 12 anos para ser construído.

    A economia, após dois anos de recessão com variação negativa de 7% do PIB, encontrou o fundo do poço e em algum momento crescerá, mas a qualidade dos empregos gerados será muito pior e o rendimento do trabalhador muito mais baixo. “Caminhamos para a mexicanização do Brasil. O México fez todas as reformas que o mercado queria nos anos 1990. Hoje, metade da população vive abaixo da linha de pobreza e 90% dos trabalhadores têm trabalho precário”, dispara Fagnani.
    Entre os efeitos deletérios da reforma trabalhista destaca-se o aumento da rotatividade, mecanismo tradicional das empresas para rebaixar salários e que atinge a taxa altíssima de 40% na maior parte do ano. O rebaixamento é obtido por meio da demissão dos trabalhadores mais antigos que conseguiram incorporar ganhos salariais e contratação de substitutos pelo piso salarial de cada categoria.

    “A rotatividade elevada crônica mostra que, ao contrário do afirmado pela mídia na sua defesa da necessidade da reforma trabalhista, a demissão no Brasil sempre foi muito fácil devido à pouca rigidez e parca garantia de emprego, mesmo daquele com carteira assinada. As empresas costumam demitir muito e, no atual contexto de rebaixamento de salários e precarização, cresce o volume de demissões para contratação de trabalhadores informais que agora podem ingressar nas empresas legalizados a partir do momento em que se passou a aceitar, por exemplo, o trabalho intermitente”, chama atenção Manzano.

    A reação dos trabalhadores é inversamente proporcional ao desemprego e à subocupação. Adriana Marcolino relatou o exemplo solitário de um sindicato de frentistas em Santa Catarina que obteve na negociação coletiva com a entidade empresarial um veto ao trabalho intermitente e à terceirização na atividade-fim.

    Uma parte considerável dos sindicatos não conseguiu, entretanto, nem mesmo a reposição da inflação do ano passado. “Isso tem a ver um pouco com rotatividade, pois o trabalhador volta ao mercado, mas com salário menor, e quem permaneceu empregado recebe reajustes salariais mais baixos. Para as famílias, gera um estrangulamento da renda”, diz.

    A situação das empresas melhorou em boa medida por conta do ajuste imposto pela crise. Elas reduziram custos, enxugaram o quadro demitindo mais de 7 milhões de trabalhadores nos últimos anos e pagaram suas dívidas na chamada desalavancagem.

    Não estão tomando crédito, e assim se mostram mais rentáveis do que há um ano, mas não investem nem ampliam a produção, portanto não criam empregos nem aumentam em produtividade. “Elas simplesmente melhoraram do ponto de vista contábil a sua rentabilidade em relação ao capital investido e, ainda assim, na comparação com dois anos muito ruins em que houve uma queda brutal de resultados”, resume Manzano.

    “Você faz a economia crescer investindo, mas destruíram o BNDES e os bancos públicos e o investimento privado não é suficiente. Outro caminho é o mercado interno, mas as pessoas não vão ter renda com essa política trabalhista mais a reforma da Previdência, que voltará ao Senado. A semelhança com o que aconteceu no México é grande.

    O trabalho informal no Brasil era 40% do total até poucos anos atrás, já voltou para 50% e, daqui a dez anos, com a reforma trabalhista, ele tende a chegar a 70% ou 80%, que é o padrão mexicano. O México abriu mão da indústria, é um quintal dos EUA e assinou o Acordo da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), que acentuou todos esses processos. O Brasil está fazendo o mesmo”, alerta Fagnani.

    Conclui-se que a degeneração provocada tanto no mercado de trabalho como nas maiores e mais importantes empresas nacionais empurrou o País para trás se a referência for o caminho evolutivo trilhado por países avançados e emergentes bem-sucedidos, assim descrito pela economista Alice H. Amsden: “O desenvolvimento econômico é o processo de passar de um conjunto de ativos baseados em produtos primários, explorados por mão de obra não qualificada, para um conjunto de ativos baseados em conhecimento, explorados por mão de obra qualificada”.









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