Dez anos de slam no Brasil: uma conversa com Luiza Romão sobre literatura e feminismo
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    Dez anos de slam no Brasil: uma conversa com Luiza Romão sobre literatura e feminismo
    Autor: Mayara Paixão - Brasil de Fato
    16/01/2019

    Crédito Imagem: DIVULGAÇÃO

    “O slam retoma o aspecto público da poesia, a tira de um lugar elitizado”. É assim que a poeta e atriz Luiza Romão, formada em Artes Cênicas pela Universidade de São Paulo (USP), define a manifestação cultural que, ocupando as praças públicas, completou uma década no Brasil em dezembro de 2018.

    Romão explica que a associação imediata da literatura ao livro impresso nem sempre foi assim. Cantar a palavra escrita no espaço público, trazendo à tona as contradições sociais, tem sido caminho para popularizar o acesso à cultura e promover a ocupação do espaço urbano.

    Como em tantas outras áreas em que as mulheres assumem protagonismos tradicionalmente ocupados por homens, na poesia não tem sido diferente. Para além de Luiza Romão, as poetas Mel Duarte, Luz RibeiroNívea SabinoPaloma Franca Amorim e muitas outras têm conseguido fazer suas vozes voarem mais alto.

    Há dez anos, justamente uma mulher tratava de trazer e ressignificar no país a manifestação cultural que surgira em solo estadunidense, mais especificamente em Chicago. Roberta Estrela D’Alva, atriz e cantora brasileira, em 2008, criou o Zona Autônoma da Palavra (ZAP) em São Paulo e, desde então, muito mudou: o slam conquistou o Brasil, a juventude e a diversidade. Esses são alguns dos temas da conversa da poeta com o Brasil de Fato. Confira:

    Brasil de Fato: Qual a importância que você vê neste tipo de manifestação hoje?

    Luiza Romão: O slam, para quem nunca ouviu falar, não é o slam religião [brincadeira com a sonoridade de "slam" e "Islã"]. O nosso slam veio da palavra slam, que em inglês quer dizer competição. Da mesma forma que se tem um slam de golfe ou de tênis, se tem um slam de poesia, que é o poetry slam. O slam praticamente tem três regras: você tem que fazer três poemas de até três minutos autorais, sem o uso de acompanhamento musical e nenhum tipo de adereço ou figurino —  é o poeta e a palavra. Ele surgiu inicialmente na década de 1980, em Chicago, produzido pelo Mark Smith dentro de uma estrutura de cabaré, e veio para o Brasil através da Roberta Estrela D'Alva, que criou o primeiro slam no país, o ZAP (Zona Autônoma da Palavra) há 10 anos.

    Em dezembro a gente completou 10 anos de slam no Brasil. Se até cinco, seis anos atrás, tinha basicamente só em São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, hoje tem mais de 149 comunidades no Brasil todo. Tem slam no Acre, na Bahia, em Pernambuco, Rio Grande do Sul, em 18 estados brasileiros. Há uma diversidade poética, de geografia, de sujeitos muito grande.

    E qual a potência do slam?

    O slam é muito potente, porque se a gente pensa na história da literatura, ela surge como um evento público, não no âmbito privado do livro. Essa ideia que temos de associar a literatura a um livro, que você lê sozinho na sua casa, em um lugar extremamente silencioso, em uma relação muito privada, é recente, vem do século 14 para cá. Inclusive, se formos pensar, até então a literatura era sempre falada, mesmo quando você lia sozinho, ler em silêncio não existia, é uma ideia que é muito moderna. 

    Ele retoma o aspecto público da poesia, a tira de um lugar elitizado, porque se a gente pensar no contexto de Brasil, sempre esteve muito associada às elites e às universidades e dissociada das camadas populares. O slam vem com esse poder de retomar o aspecto público: você tem uma ágora, a cidade discutindo, pessoas que têm os mais diversos contextos e origens colocando suas pautas, reivindicando o lugar da mulher, do negro, as pautas LGBTQI. 

    É um movimento que, além de ser na sua forma revolucionário, porque retoma o aspecto coletivo, também é muito revolucionário nos seus temas, porque está pautando questões que foram silenciadas, apagadas da história durante muito tempo.

    Como vê o crescimento do protagonismo das mulheres na literatura hoje?

    Foi uma revolução que aconteceu nos últimos quatro anos, de 2014 para cá. Acho que tem muito a ver também com o movimento feminista na sociedade. É difícil a gente falar de uma representatividade, uma produção feminina e feminista na literatura desvinculado do que foram os movimentos de 2013 e em seguida as manifestações todas contra o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Acho que de fato tem um marco no Brasil nos últimos tempos de colocar as questões de gênero, contra a violência sexual e doméstica, e isso se reflete na literatura.

    Quando eu comecei a participar, lembro que era eu e 20 caras batalhando sempre. Tinha eu, a Luz Ribeiro, a Mariana Feliz e a Mel Duarte e só caras. Era muito solitário, um ambiente às vezes hostil, apesar de eu sempre me sentir muito bem. Havia essa questão de gênero muito forte.

    Depois de 2014, você tem o Slam das Minas, um movimento muito forte que tem em vários lugares no Brasil e são batalhas só com mulheres, e várias mulheres produzindo literatura independente, cordel. A voz feminina hoje está pautando muito as produções no campo da poesia.

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    Agora sobre a sua escrita, qual a identidade brasileira você busca representar em Sangria, seu livro de poemas lançado em 2017?

    Sangria é um livro e um projeto de linguagens em que busquei revisitar a história do Brasil em uma perspectiva do útero. São 28 poemas, 28 dias, como se fosse o ciclo menstrual. Busco relacionar três ciclos: o do corpo da mulher, os econômicos e os políticos. Essa ideia de um país do futuro, que sempre que está próximo a uma ideia mais popular e igualitária de governo, sofre um golpe do estado. 

    Sangria une os poemas a fotos de autoria do fotógrafo Sérgio Silva, com intervenções de Luiza Romão (Foto: Reprodução)

    A ideia foi relacionar essas três ideias e entender também como que a cultura do estupro, a violência de gênero vem desde o começo do Brasil. O que é um país que se denomina de forma fálica? A ideia de pau-brasil, por exemplo: de tanto nome possível, a gente já nomeia com um nome patriarcal e também colonial, voltado para exportação. É um país mercadoria.

    O livro também traz fotografias do seu próprio corpo, feitas pelo fotógrafo Sérgio Silva. O corpo feminino, o nu, na nossa cultura, carrega a tradição machista de quase sempre ser sexualizado. Como enxerga a presença do corpo feminino na arte?

    São 28 fotografias de seio, boca, sexo, olho, e eu fui costurando uma a uma. Elas têm intervenção com linha vermelha e material metálico, exatamente para dar conta desse corpo que foi violentado e silenciado durante muito tempo na história do Brasil.

    Também é uma disputa simbólica. Na história da arte, em geral, a gente tem a mulher ou nua como objeto de desejo ou como musa. O nu sempre em um lugar muito objetificado, e a minha tentativa foi de fazer um nu que seja incômodo.

    Qual o papel da cultura e da luta feminista no novo período político que se inicia no país?

    Acho que a gente está aí para enfrentar tempos muito difíceis, desde patrulhamento ideológico até um patrulhamento religioso e moralista, e a arte está exatamente no lugar oposto a esse lugar moralista, porque é o corpo no seu devir, no desejo, na sua liberdade. Quando falamos do direito ao corpo, é também o direito ao aborto, a uma sexualidade livre, e performances de gênero das mais diversas possíveis.

    Como a gente vai conseguir sobreviver é uma grande pergunta, porque parar de produzir não dá, não é uma escolha ou possibilidade.

    Edição: Pedro Ribeiro Nogueira










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