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O sonho de muitos brasileiros e brasileiras de deixar uma casa própria para a família após a morte pode se tornar um pesadelo, se a proposta que está sendo estudada pela equipe econômica do governo de Jair Bolsonaro (PSL/RJ), a chamada “hipoteca reversa”, for regulamentada.
A ideia é que os idosos, em troca de uma renda mensal vitalícia, possam penhorar a casa própria no banco como garantia. Após a morte do credor, a dívida é quitada com a venda do imóvel. Se sobrar dinheiro, fica para os herdeiros. Se não sobrar, os herdeiros podem optar por pagar a dívida, ou seja, quitar o valor do empréstimo para continuarem morando nela. Senão, é despejo.
O valor de quanto o tomador do empréstimo vai receber mensalmente será de responsabilidade do banco que vai analisar a expectativa de vida do idoso e o valor de mercado do imóvel. Em alguns países, como a Austrália, o valor do empréstimo costuma ser entre 35% e 60% do valor da casa.
A necessidade de uma regulamentação seria para definir, entre outras questões jurídicas, quem assume o risco em caso de desvalorização do imóvel e de longevidade do idoso: se o credor, o devedor, seus herdeiros, ou se o risco será terceirizado para alguma seguradora.
A proposta, que é vendida pelo governo como uma medida que vai ajudar um idoso a complementar a renda, é duramente criticada pela economista e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro (URFJ), Denise Gentil.
Especialista em Previdência, a professora diz que o governo está simplesmente entregando o imóvel de uma família para o sistema financeiro ao invés de proteger o idoso com um sistema de Seguridade Social.
“O idoso tem de ter uma renda satisfatória que assegure sua proteção. A saída não é endividar sua família. Essa é a saída fácil para esse governo neoliberal, que deixa de arcar com suas responsabilidades de Estado, de ser o provedor de proteção social, para deixar as famílias brasileiras serem tragadas pelo sistema financeiro”, diz.
"A aposentadoria deveria assegurar uma renda suficiente para que ninguém precisasse penhorar sua própria casa para sobreviver"
- Denise Gentil
A mesma postura crítica em relação à regulamentação da hipoteca reversa tem a professora de planejamento urbano da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Luciana Royer. Ela explica que já foi comprovado que essa proposta não deu certo nos países desenvolvidos em que é utilizado, como Estados Unidos, Alemanha, Espanha, Austrália e Reino Unido.
“A situação financeira desses idosos, pelo contrário, pirou”, conta a professora, que continua: “A mudança para um modelo neoliberal na economia desses países corroeu as pensões dos idosos, que vêm hipotecando cada vez mais suas casas para pagar suas contas e sobreviverem, correndo o risco de perderem seus lares”.
“Já temos exemplos de como os idosos ficam endividados com os empréstimos consignados. Ninguém garante que não poderá ocorrer com a hipoteca reversa”, alerta Luciana Royer.
A professora da USP lembra também que no Brasil há outros problemas, como a falta de escritura das casas de boa parte da população, o que impediria a utilização desse tipo de empréstimo. Segundo ela, esse não é o caminho para resolver o problema da falta de proteção social aos idosos.
Para a urbanista, o governo deveria investir na construção e ofertas de moradias e não pensar em hipotecar os imóveis de quem está numa situação financeira fragilizada.
Já a economista Denise Gentil diz que a falta de compromisso do governo Bolsonaro com as políticas sociais, como o fim ou redução dos investimentos em áreas sensíveis, como moradia, educação e saúde, é o reflexo da opção política de desmontar o Estado para privilegiar ainda mais a elite do sistema financeiro.
“Hoje, com a política do atual governo, as famílias tem duas opções: ou têm renda ou fazem empréstimos. Tudo é empréstimo consignado. Até a compra de supermercado as pessoas estão parcelando. Isso deveria ser assegurado pela renda do trabalhador”, defende.