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O médico sanitarista Arthur Chioro, 57 anos, acredita que a vacina contra a Covid-19 deve ser obrigatória, pois só assim há garantia de que o Brasil atingirá alta taxa de imunização da população. Ainda assim, o ex-ministro da Saúde, que ocupou a pasta de fevereiro de 2014 a outubro de 2015 (governo Dilma Rousseff), avalia que a vacina não excluirá as demais medidas protetivas contra a doença. “A vacina é uma medida de proteção, de prevenção primária contra a Covid-19. Isso indica que, durante muito tempo, nós teremos que, junto com a vacina, manter as medidas sanitárias não medicalizantes, como isolamento social, uso de máscara e higiene”, diz.
Em entrevista ao SindSaúde-SP, ele ainda critica a postura do governo federal frente à pandemia, que abre espaço para ações “politiqueiras”, como a do governador de São Paulo, João Doria Jr., que anunciou uma política própria de vacinação.
Na quinta-feira (10), o Instituto Butantan, de São Paulo, anunciou que iniciou a produção da Coronavac, vacina em parceria com uma farmacêutica chinesa. Além disso, o governo federal anunciou a compra de 370 milhões de doses em 2021, sendo que a maior parte da encomenda foi feita com a empresa AstraZeneca, em parceria com a Universidade de Oxford, do Reino Unido. Uma parte da produção será feita pela Fiocruz, do Rio de Janeiro.
Nesta semana, o país também assinou memorando de entendimento para comprar 70 milhões de doses da americana Pfizer, em parceria com a alemã BioNTech.
Confira abaixo trechos da entrevista com o ministro:
O que é uma vacina segura?
Uma vacina considerada segura é aquela que atende aos quesitos de segurança clínica, ou seja, ela não é capaz de produzir malefícios, não tem efeitos colaterais graves (efeito colateral sempre pode ter, uma febre, uma dor local), mas é segura do ponto de vista de uso quando experimentada num grande contingente populacional. Por isso a importância, tanto da fase 1 quanto da fase 2 (de testes), e, principalmente, a da fase 3, quando a vacina é experimentada num grande número de pessoas. Mas, mais do que isso, não basta ela não fazer mal. É preciso que ela seja eficaz, ou seja, ela precisa proteger as pessoas que a usam contra a doença.
São necessárias duas doses da vacina, mas o governo disse que vai comprar menos doses e o restante, conforme a “demanda”.
Aparentemente, até agora, todas as farmacêuticas que têm produzido pesquisa estão apontando para um quadro que indica a necessidade de duas doses de vacina. Ao que tudo indica, a maior parte das vacinas exigirá 15 dias ou três semanas depois - por aquilo que vem sendo apresentado nos estudos iniciais - a necessidade de uma segunda dose da vacina. Isso significa que, para vacinar a população brasileira, sem contar uma quantidade de vacinas numa reserva técnica, nós vamos precisar de alguma coisa em torno de 450 a 500 milhões de doses, um volume significativo, a um custo médio de 10,25 dólares (cerca de 60 reais), que é o valor estimado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). Levando-se em conta o valor médio (há vacinas mais baratas e outras mais caras), podemos estimar algo em torno de 4,2 bilhões de dólares. Por essa razão, há resistência do governo de Jair Bolsonaro em anunciar aquilo que é essencial, que é ‘vacina para todos’.
Quais riscos existem para o sucesso da imunização dos brasileiros se uma parcela da população não for vacinada?
Se uma parcela da população não for vacinada, se nós não tivermos um grande contingente populacional vacinado no Brasil e no mundo - porque não adianta um país vacinar sozinho e seus vizinhos também não conseguirem fazer a vacinação -, que é atingir um alto porcentual de vacinação, que é acima de 70% ou, o ideal, acima de 90%. A partir daí se consegue, em tese, a interrupção da cadeia de transmissão da doença. Esse é o objetivo central. Toda vacina, mais do que uma proteção individual, busca fornecer proteção coletiva, ou seja, ter um tal número suficiente de pessoas protegidas/imunizadas contra o patógeno (neste caso, o coronavírus). Com a imunização, (a pandemia) perderia força e deixaria de ter transmissão comunitária. Esse é o motivo pelo qual nós defendemos vacina para todos.
Por que, no caso da Covid-19, a vacina é o tratamento mais indicado?
Não é possível dizer nesse momento que a vacina é o tratamento mais indicado, porque a vacina não é tratamento – é um elemento de prevenção. Para a Covid-19, nós não dispomos de tratamento até hoje. Várias doenças nós temos medicamentos que são utilizados para o tratamento da doença. Hoje, para Covid-19 só dispomos de medicamentos que buscam interferir sobre os efeitos da doença no organismo humano. Portanto, nós podemos falar que a vacina é uma medida de proteção, de prevenção primária para a Covid-19. Isso indica que, durante muito tempo, nós teremos que, junto com a vacina, manter as medidas sanitárias não medicalizantes, como isolamento social, uso de máscaras e de higiene até que a gente tenha, de fato, a interrupção da transmissão da doença em nosso país.
Na sua opinião, a vacina deve ser obrigatória?
A vacina deve ser obrigatória pois o objetivo, como expliquei, é a mais alta taxa de cobertura possível. Pode ser que existam situações em que haja efeitos colaterais e, portanto, alguns pacientes que possam receber contraindicação num primeiro momento. Por exemplo, as vacinas que estão disponíveis no mundo, até hoje, não foram testadas em menores de 18 anos. Portanto, não há o motivo para começar a vacinação em menores de 18 anos até que se comece a testar a vacina sobre as crianças e jovens, para saber se ela é recomendada a essas pessoas. De qualquer maneira, é sempre importante que a vacina seja obrigatória e, para isso, acredito que a estratégia de convencimento é fundamental. A Organização Pan-americana de Saúde (Opas) fez um estudo e demonstrou que o país que tem a população com a maior taxa de adesão às vacinas na América é o Brasil. Oitenta e cinco porcento das pessoas são favoráveis à vacinação. Por quê? Porque nós temos um programa nacional (Programa Nacional de Imunizações) que tem 47 anos de história, que é muito seguro e muito respeitado.
O ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, criticou o governador de São Paulo, João Doria Jr., dizendo que o plano de combate à Covid-19 deve ser nacional e não com cada estado adotando políticas próprias de imunização. O ministro está correto?
Concordo em parte com a crítica do ministro. O plano deve ser nacional – ao longo desses 47 anos sempre foi uma iniciativa nacional, garantindo o direito à vacinação a todos os brasileiros e brasileiras. O problema é que, neste caso, a incompetência, o descompromisso, a inépcia do governo federal começam a permitir ações ‘politiqueiras’ como a do governador de São Paulo. Até porque o Instituto Butantan pode ser administrativamente vinculado ao estado de São Paulo, mas ele é um patrimônio do povo brasileiro, tem a sua história secular vinculada à saúde pública brasileira. Ele é um produtor de imunobiológicos, de vacinas para a população brasileira e não só para a de São Paulo. Portanto, não há por que restringir a vacina apenas para os paulistas. Todos são brasileiros e, por isso, considero que, se tivéssemos um governo federal decente, sequer essa discussão estaria em jogo. Espero que os governadores consigam se organizar, se mobilizar para pressionar o governo federal a tomar as ações que precisa tomar.
Quando, afinal, a população brasileira pode sentir-se segura em relação à pandemia?
Não acredito, em função da desastrosa e criminosa postura do governo federal, que teremos uma situação de segurança (sanitária) antes do final de 2022. Aliás, essa também é a opinião da Organização Pan-americana, até porque não adianta os países ricos saírem vacinando suas populações se não tivermos ao mesmo tempo uma ação global que garanta vacina para todos.