Notícia
Levantamento inédito, divulgado na última quinta-feira (13), revela que morreram no Brasil mais de 4.500 profissionais da saúde pública e privada na primeira onda da pandemia, entre março de 2020 e dezembro de 2021. Foi o mesmo período em que o governo brasileiro negou a dimensão da doença e atrasou recursos. Grande parte dos profissionais não recebeu equipamentos básicos de proteção e a maioria não tinha sequer registros formais de trabalho.
Oito a cada dez entre os que morreram salvando vidas na pandemia eram mulheres. A pesquisa, lançada no Brasil pela Internacional de Serviços Públicos (ISP), entidade que o SindSaúde-SP é filiado, foi realizada pelo Lagom Data, que uma empresa de inteligência em análise de dados.
O lançamento no Brasil abre uma campanha documental da ISP, que denuncia a situação de quatro países nos momentos mais intensos da pandemia de Covid-19. Além dos outros escolhidos, Zimbábue, Paquistão e Tunísia, o Brasil se destacou pela abordagem negacionista do governo federal, noticiada globalmente à época e pela demora na aquisição de equipamentos e insumos. A ISP apresentará o caso em organismos como a Organização Internacional do Trabalho (OIT).
“Faltaram equipamentos de proteção, oxigênio, vacinas, medicamentos e sobraram mensagens falsas e desaforadas do governo brasileiro sobre a Covid-19, chocando o mundo. E até hoje os profissionais da linha de frente seguem desvalorizados no Brasil”, afirma Rosa Pavanelli, secretária-geral da ISP, e integrante da Comissão de Alto Nível do Secretário-Geral da ONU sobre Emprego em Saúde e Crescimento Econômico.
A pesquisa foi feita a partir de microdados do próprio governo brasileiro. Os profissionais e seus sindicatos não tinham a dimensão das mortes até agora. Os dados revelam que elas se avolumaram mais rapidamente do que o observado na população geral, especialmente nos meses em que faltaram equipamentos de proteção individual. E o impacto da doença foi maior nas ocupações com menores salários e mais próximas à linha de frente: auxiliares e técnicos de enfermagem (70%) morreram proporcionalmente mais do que enfermeiros (25%), e estes proporcionalmente mais do que os médicos (5%). As bases de dados brasileiras não registram o total de profissionais que atuou diretamente na pandemia, mas a partir dos cruzamentos realizados, revelam a dimensão do caso.
Para se ter uma ideia, foram 1.184 enfermeiros mortos, o que pode ter impactado diretamente o atendimento de 21.300 pacientes. Pelas regras do Conselho Federal de Enfermagem (Cofen), cada enfermeiro atende até 18 pacientes e cada atendente, 9 doentes. Em Manaus, por exemplo, cada enfermeiro atendeu 40 pacientes com o auxílio de dois atendentes.
Além disso, oito a cada dez entre os que morreram salvando vidas eram mulheres, nas ocupações mais atingidas, as da área da enfermagem. E dois terços desses profissionais brasileiros provavelmente não tinham contrato formal de trabalho, segundo cruzamento entre os dados do Ministério da Saúde e informações sobre desligamentos por morte no Novo Caged.
Ainda segundo a pesquisa, nos primeiros meses da pandemia, a curva do excesso de desligamentos por morte entre os profissionais da saúde era mais elevada do que a da totalidade das ocupações no Brasil. Ou seja, os profissionais da saúde morriam proporcionalmente mais. Em maio de 2020, as mortes excedentes chegaram ao dobro da média anterior.
Da mesma forma, quando finalmente o Brasil avançou na vacinação prioritária dos profissionais de saúde, a mortalidade entre eles caiu mais rápido do que na população em geral, que demorou mais meses para ser vacinada. Mortes poderiam ter sido evitadas se houvesse zelo ou empenho governamental, segundo a análise da ISP.
Em março de 2021, com uma confluência de fatores que iam da pressão pela volta precoce das atividades presenciais, falta de equipamentos, até a lentidão do governo com a vacinação, as mortes de Covid explodiram no Brasil todo. Os profissionais da saúde sentiram esse impacto também, mas por menos tempo: o avanço da vacinação prioritária abreviou no setor o pior pico prolongado de mortes que já se viu no Brasil durante a pandemia.
Tanto nos dados oficiais de emprego formal quanto nos registros dos conselhos profissionais (CFM, no caso dos médicos, e Cofen, no caso das profissões da enfermagem), esses três grupos de especialidades representavam 61%, 20% e 18% dos profissionais empregados - o que ilustra as desigualdades de exposição ao risco dentro das especialidades da área da saúde.
Por Detrás da Máscara
Além desta pesquisa, a ISP faz uma campanha documental sobre a gestão da pandemia nos momentos críticos de um dos maiores colapsos sanitários e hospitalares da história. Dentre as ações da campanha, destaca-se Behind The Mask, Por Detrás da Máscara no Brasil. A série documental interativa online apresenta, nos quatro países, o impacto que as decisões políticas e a corrupção tiveram em sua capacidade de fornecer serviços aos pacientes sob seus cuidados, sempre a partir de um profissional de saúde sobrevivente. No episódio brasileiro, o segundo da série, a enfermeira Graciete Mouzinho, de Manaus-AM, é a personagem central. Graciete, em meio ao caos da pandemia, coleta depoimentos de trabalhadores para construir um processo legal por cumplicidade e corrupção contra o atual governo federal.