Notícia
As denúncias estão sendo apuradas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT), que, até a última terça-feira (18), já notificou pelo menos duas das oito Organizações Sociais (OS) denunciadas, que administram unidades de saúde por meio de contratação pela Prefeitura de São Paulo.
O Conselho Regional de Enfermagem de São Paulo (Coren-SP) solicitou uma sondagem para a Articulação Nacional de Enfermagem Negra (Anen) durante a pandemia. A Anen enviou um questionário, em novembro de 2021, que recebeu a resposta de 1.090 profissionais, entre enfermeiros(as), técnicos(as) e auxiliares de enfermagem.
Neste questionário, o objetivo foi a produção de dados que medissem a expressão de desigualdades e identificasse práticas racistas no mercado de trabalho que possam impedir o acesso e a mobilidades institucional e social de trabalhadoras e trabalhadores negros.
Os resultados da sondagem foram publicados na Enfermagem Revista, publicada pelo Coren-SP, no artigo: "Dignidade salarial e enfrentamento ao racismo naturalizado", assinado por Alva Helena de Almeida, Estefânia Ventura, Paula Vieira e Roudom Ferreira Moura.
Em resposta à autodeclaração de raça/cor, 0,3% são indígenas, 1,7% amarelos, 36,6% são brancos e 61,2% são negros, ou seja, pertencem ao grupo de pretos e pardos. Para 96,3% dos(as) participantes existe racismo no Brasil e o percentual dos que não se consideram racistas é de 95,6%.
Respostas de participantes apontam cenário de racismo estrutural
Para os autores, existe um reforço do cenário expresso pelo racismo estrutural em nos discursos registrados, dos quais eles destacam dois trechos:
“É a forma como a estrutura da sociedade está organizada para segregar ou dificultar o acesso de uma outra raça - no caso a negra, a todos os tipos de acessos básicos. Educação, saúde, emprego etc.”
“Pessoas pretas terem menos oportunidades de se aprimorar profissionalmente
por conta do racismo estrutural”.
Questionados(as) sobre o conhecimento de atos de racismo: 84,8% responderam que sabem de casos que são praticados cotidianamente e 73,8% disseram que têm conhecimento de racismo institucional, ou seja, praticado pela instituição.
Sobre a quantidade de trabalhadores(as) negros, 70,2% responderam que eles(as) são a minoria. Também foi questionado os(as) profissionais negros em postos de chefia, 41,9% dos(as) participantes afirmaram que não conhecem e 17,8% conhecem somente um(a).
Também não conheceram práticas antirracistas no local de trabalho, 84,34% dos(as) entrevistados(as). Os autores, compreendem que esses dados são a expressão de uma conexão entre a baixa visibilidade de negros(as) em cargos de coordenação/chefia e que o enfrentamento ainda é incipiente. Eles destacam algumas respostas que potencializam esses dados:
“Falta Gerente, RT [Responsável Técnica], e Supervisor de Enfermagem Negros/Negras”.
“Empresas que não contratam pessoas acima do peso, idade após os 40 anos,
negros etc.”
“Uma mulher preta não pode ocupar um cargo de gerência, entre um preto e um branco [...] sempre será escolhido o branco mesmo que o preto tenha mais capacidade. Uma preta[...] é a faxineira, a técnica de enfermagem, para as pessoas elas não tem “cara” de enfermeira ou médica”.
Conclusões da pesquisa
Os autores chegaram as seguintes conclusões dessa primeira análise de dados da pesquisa:
- Os discursos corroboram os dados, são reveladores de mecanismos que mantêm práticas discriminatórias e naturalizadas no ambiente de trabalho.
- Processos de contratação e desenvolvimento da carreira pareceram impregnados de valores excludentes, homo e gordofóbicos, etarismo, injustiças, referenciadas no ideal de branqueamento, modelo de ser humano, e no pacto narcísico, quando as posições mais qualificadas são reservadas para o grupo social branco.
- Para além de um salário digno, é urgente estabelecer políticas de enfrentamento ao racismo, discriminação e assédio moral.
- O cenário exige comprometimentos, rupturas com essas práticas, além de providências cabíveis e legais: das entidades de classe, das empresas de saúde, do sistema de saúde e do estado brasileiro, para o alcance do tratamento humano e equânime a que todos temos direito, enfim, da construção de uma sociedade democrática.
Para a enfermeira Paula Vieira, especialista em enfermagem obstétrica e uma das autoras da pesquisa, o cenário encontrado no ambiente de trabalho da categoria reflete o que ocorre no mercado de trabalho em geral. “A enfermagem é dividida em três subcategorias, enfermeiros, técnicos e auxiliares de enfermagem e conforme aumenta o grau de escolaridade, diminui a quantidade de pessoas negras e mais na base da profissão, que é de técnico e auxiliar, nesses cargos a maioria de profissionais são negros e mulheres. Elas também são as trabalhadoras mais violentadas, mais agredidas, tanto com o assédio moral, com as condições de trabalho quanto no embate direto com a população”.
Paula também fala sobre a saúde dessas trabalhadoras. “Quando a gente pensa em saúde do trabalhador, por exemplo, a gente tem a percepção de que são essas mulheres que estão ali sempre sendo colocadas nos piores postos de trabalho dentro de um mesmo serviço, quando faz a distribuição de escala por exemplo, a gente vê uma diferenciação de quem é que vai trabalhar, por exemplo, com cinco pacientes críticos, e as que ficam com dois ou três pacientes menos críticos. Então isso também se explicita quando a gente faz o recorte étnico-racial”.
As denúncias contra as OS foram feitas pela vereadora Luana Alves (Psol) e estão sendo investigadas pelo MPT de São Paulo.
O SindSaúde-SP defende o Sistema Único de Saúde (SUS) e a gestão pública das unidades de saúde, assim como a realização de concurso público para a contratação de trabalhadoras e trabalhadores do estado de São Paulo.
Desde a sua fundação, o SindSaúde-SP, tem como um dos seus princípios o Sindicato Cidadão, e durante todos esses anos têm dado demonstrações claras e objetivas de que não é apenas discurso, mas sim a prática de seus dirigentes por todo o Estado de São Paulo.
Reiteramos que o SindSaúde-SP é defensor dos Direitos Humanos, contra o racismo e qualquer tipo de discriminação. Nos solidarizamos com os(as) profissionais que sofreram racismo nas unidades de saúde. A função do sindicato é defender os direitos de todos(as) os(as) trabalhadores(as), independentemente de serem filiados ou não. Vamos acompanhar essa investigação e exigir justiça!