Notícia
A auxiliar de enfermagem Cleonice Ribeiro é uma mulher negra que preside o SindSaúde-SP, mas não é a primeira. Seja sob o recorte de gênero, seja sob o aspecto racial. Antes, a atual secretária-geral, Célia Regina Costa (2004-2006); e Benedito Augusto, o Benão (2007-2009 e 2010-2012); ambos negros, já haviam comandado o sindicato que representa mais de 80 mil trabalhadoras(es), entre a administração direta e indireta. Além deles, Duvanier Paiva Ferreira, que foi vice-presidente por duas gestões (1990-1992 e 1993-1995) assumiu a presidência durante um período de licença da então presidenta, Mônica Valente.
Da mesma forma como muitas outras mulheres, Cleonice também enfrentou assédio e racismo para avançar em representatividade e fazer valer sua voz. Um caminho que apresenta grandes desafios.
A saúde é um dos setores de atividade com maior presença de mulheres, 5,3 milhões em todo o país, o equivalente a 73,5% do total de ocupados no setor, de acordo com boletim do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese).
Porém, apesar de ser predominante no segmento, a mulher negra da saúde recebe em média R$ 2.443, o que corresponde a um terço (32,7%) do que recebe um homem não negro (R$ 7.472).
Em São Paulo, a desigualdade é ainda maior. A remuneração média das mulheres negras na saúde é de R$ 2.503. Isso corresponde a 29,5% da remuneração média dos homens não negros (R$ 8.474).
Outro ponto importante do estudo é a diferença entre os empregados do Estado e da iniciativa privada. As mulheres da saúde no setor público recebem em média R$ 3.471, 17,4% superior ao que recebem as mulheres do setor privado (R$ 2.957), fator que evidencia o concurso público como uma ferramenta fundamental para o combate às desigualdades salariais de gênero e raça.
Em entrevista, Cleonice conta como o sindicato atua para enfrentar as desigualdades e dar continuidade a um legado de luta contra a discriminação racial.
Redação SindSaúde-SP – O movimento sindical, com os demais setores da sociedade, é majoritariamente racista e machista. Como uma mulher negra lida com esse cenário à frente de um sindicato?
Cleonice Ribeiro – É um desafio. Porque nossa vida vai além do sindicato. Sou mãe de quatro filhos e assim como muitas brasileiras, me separei do meu marido muito cedo, quando o mais velho tinha sete anos e eu tinha que trabalhar em dois empregos para sustentá-los sozinha. Na época, com aproximadamente 24 anos, além dos desafios do emprego, eu tinha de lidar com muito assédio, uma mulher negra e divorciada era vista como alguém ‘fácil’ para qualquer coisa. Hoje ainda temos as creches, mas naquela época a oferta era bem menor, tinha que colocar pessoas, que nem sempre são de confiança, acabei sendo roubada em alimentos, roupas, cheguei a ter de buscar coisas de meus filhos na casa de quem tinha colocado em casa.
Fui discriminada, assim como a grande maioria das mulheres da saúde, também negras, como eu sou, que também sofrem racismo diariamente.
Para mulheres arrimo de família, muitas vezes sofre o silêncio porque precisa do emprego.
Mas como é possível combater esse cenário?
Cleonice – A conscientização e a formação são fundamentais. Os cursos que temos feito são fundamentais para trazer visibilidade para essa questão, porque muitas pessoas são negras e não admitem. Nosso papel é de conscientizar sobre a importância de combatermos o racismo. Muita coisa mudou na lei, mas persiste na sociedade. A gente precisa cada vez mais lutar para que isso um dia acabe. Sei que isso não muda do dia para noite e não podemos deixar que episódios racistas passem sem punição.
Somente quem sofre isso, como eu, meus filhos, sabe o quanto o racismo dói. O constrangimento é muito grande.
O racismo continua presente nas unidades de saúde?
Cleonice – Segue presente, principalmente nos serviços públicos. Pode estar melhor disfarçado, mas todos os dias há uma história para contar sobre isso. E as pessoas, quando o Bolsonaro (Jair Bolsonaro, ex-presidente) foi eleito, se sentiram mais livres para serem preconceituosas, era muito pior.
O SindSaúde-SP teve quatro pessoas na presidência, contando você, que são negras. O combate ao racismo é uma preocupação do sindicato, está presente no cotidiano da entidade?
Cleonice – Sempre discutimos, sempre foi uma luta nossa. A partir do momento que você levar informação e formação à categoria sobre a importância de se posicionar contra o racismo, pode ser um grão de areia, mas é um começo para que possamos prosperar nessa luta e acabe com essa discriminação.
Tivemos muitos momentos de luta, palestras, com o Benão, fizemos isso associando a teatro, fazendo a discussão de maneira mais lúdica.