Grécia: por quem os sinos dobram
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    Grécia: por quem os sinos dobram
    Autor: Rede Brasil Atual
    06/05/2010

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    As três mortes na quarta-feira, 05/05, durante os confrontos entre policiais e manifestantes nas ruas de Atenas adicionaram uma pincelada trágica a um quadro dramático que parece não ver a luz no fim do túnel.

    As vítimas estavam numa agência do Banco Marfim Epnatia cujos funcionários, pelas informações difundidas, não tinham aderido à greve geral. Por isso foram atacados por grupos dos manifestantes, que jogaram coquetéis molotov na agência. Os três mortos estavam no andar superior, e morreram asfixiados pela fumaça. Além disso, houve 20 feridos, quatro em estado grave, entre os 40 do total do dia.

    Foi uma quarta-feira incomum, mesmo em se tratando de dias de protesto. Todos os correspondentes e repórteres diziam em seus informes que nunca tinham visto tamanha violência nas ruas de Atenas.

    Uma parte dessa violência se deve, é certo, a grupos de manifestantes, sobretudo muito jovens, que vão para as demonstrações já com o objetivo de partir para o confronto com a polícia. Informes dizem que foram manifestantes de um desses grupos que jogaram as bombas incendiárias no banco, além de queimarem um prédio do Ministério das Fincanças e tentarem invadir o Parlamento. Eles se auto-intitulam “anarquistas”, “anticapitalistas”, aqui na Alemanha “Chaoten” – “caóticos” – ou “Authonomen” – “autônomos”. Não consigo acreditar nisso.

    Parecem-me proto-fascistas, para dizer o mínimo. Negam a política, afirmam a violência, são o prato-feito para a polícia e a direita. Roubam a cena: o que vemos nas fotos e reportagens agora, por exemplo, são cenas dramáticas de policias entre chamas explosivas. A cena política desaparece por trás dessa verdadeira cortina de fumaça.

    Porque o que está de fato ardendo nas ruas de Atenas são os direitos e as conquistas dos trabalhadores, queimadas nas conseqüências da orgia financeira que tomou conta do mundo nas últimas décadas e explodiu na Grécia.

    O pacote de financiamento que vai “socorrer” o governo grego nos próximos três anos é de 110 bilhões de euros (talvez chegue a 140bilhões). 22,4 desses virão da Alemanha, através do banco estatal KfW. Outros bilhões virão do FMI, e de outros bancos europeus. A participação dos bancos privados se dará através da compra de bonds do KfW (no caso da Alemanha) e com a promessa de não vender os bonds (agora considerados “podres”) do governo grego para agiotas mais afoitos. Ou seja, os bancos privados só terão a ganhar com o pacote. Sem este, teriam problemas para receber o que emprestaram (com juros e as correções ao governo grego). Sem isso, teriam de apertar mais em outras áreas. Onde? Nas dívidas públicas pela União Européia afora.

    Os números são impressionantes. A dívida pública da Grécia é de 33 bilhões de euros – somente aos bancos alemães. Aos franceses vai à casa dos 70 bilhões. Portugal deve 29,7 bi aos bancos germânicos. Vejam os outros números: Itália – 123,5 bi; Espanha, 156,4 bi; a pequena Irlanda, antes vista como a menina dos olhos do neoliberalismo, assim como o Chile: 173,3 bi. As dívidas públicas dos Estados Unidos, Reino Unidos, a Zona do Euro e do Japão chega a 3,87 trilhões de euros.

    Ou seja, ainda tomando a Alemanha como exemplo, se os bancos alemães deixarem de receber o que a Grécia lhes deve, estarão em séria dificuldade. Por que? Porque os credores dos outros governos vão começar a apertar a torquesa em outros países, que também entrarão bancarrota.Tudo vai à bancarrota. Talvez a poderosa Alemanha e a antes estável França também tivessem de recorrer ao FMI, como a Grécia agora. E o FMI, sempre acaudilhado (desculpem a expressão pouco anglo-saxônica) pelos Estados Unidos, ampliaria sua já conhecida influência na Zona do Euro.

    O negociador do FMI na Grécia, Paul Thomson, foi advertido de que essa “ajuda” iria pulverizar a já agonizante economia grega, acabando com o poder aquisitivo da população. Salários e pensões serão congelados, ou reduzidos. Investimentos zerados. E daí? A missão da “ajuda” não é dar competitividade ou sequer capacidade de resistência à economia grega. É, isso sim, impedir que o euro venha a implodir e a Europa necessite de um novo plano Marshall para se reerguer. Só que agora sem Estados Unidos nenhum para financiar tudo isso, já que o Big Brother do outro lado do Atlântico também está atolado num pantanal financeiro.

    O espantoso de tudo isso, é que esse cenário dantesco foi construído por governos tributários da hegemonia do pensamento que prega a “austeridade” (que agora querem enfiar goela abaixo do povo grego), a “contenção”, o “Estado mínimo” etc. Esses governos – social-democratas ou democrata-cristãos ou liberais – privatizaram tudo o que podiam privatizar. E ainda assim contra a sua própria receita – se amarraram a essas bolas de ferro dos empréstimos internacionais que agora ameaçam arrasta-los para o fundo. Mais uma vez, o povo grego que se dane.

    Na Alemanha formou-se uma cortina de ferro de animosidade contra os gregos. “Eles querem tomar o nosso dinheiro”; “Nós vamos pagar as aposentadorias luxuosas dos gregos”: diziam manchetes de jornal sensacionalista “Bild”.

    Uma coisa é verdade: me espanta, nessa altura, a falta de solidariedade com os trabalhadores gregos. Salvo melhor juízo meu, ou engano, e me corrijam se eu estiver errado, não li nem vi em lugar nenhum manifestações de solidariedade com os trabalhadores gregos e sua renhida luta nas ruas de Atenas e outras cidades. A greve geral chamada para a quarta-feira de fato paralisou o país. Até os aeroportos silenciaram.

    Por que se criou essa cortina de silêncio? Será que é só porque a mídia conservadora não noticia? Mas também não li muita coisa na mídia alternativa. Li, isso sim, muitas análises dos fracassos da política do euro, das ajudas do FMI etc. Mas dizer assim: “estamos com os trabalhadores gregos na sua heróica luta pelos seus direitos”, confesso, é a primeira vez que estou lendo, fora artigo simpático a essa causa que escrevi nesse mesmo blog dias atrás.

    A luta dos trabalhadores gregos me lembra outra, nos longínquos anos 70, no nosso país. Naquela ocasião, lembro-me, a gente falava da “República de São Bernardo”, cercada pela “Ditadura do Brasil”. Tempos heróicos aqueles. Agora temos a “República da Grécia” – onde ela foi inventada, mais ou menos – cercada pelo “Consenso de Bruxelas”, o “Consenso de Washington”, o FMI, a impunidade dos bancos e dos agentes financeiros, e um silêncio universal.

    Dá vontade de citar o poeta John Donne: “Não pergunte por quem os sinos dobram: eles dobram por ti”.

    Flavio Aguiar









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