Sindicato unido e forte
desde 1989


    Dominação e subjetividade
    Autor: Pedro Pomar
    25/06/2010

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    “Pare o mundo, porque eu quero descer!”. Recorro a esta manjada brincadeira para descrever o estado de espírito de boa parte dos ativistas sindicais nos dias de hoje, normalmente às voltas com a apatia e a desmobilização de suas categorias. O sentimento desses sindicalistas é, não raramente, de desamparo e de incertezas relativamente à disposição dos colegas de profissão que deveriam ser exatamente as suas “bases”, ou seja, a retaguarda sem a qual movimento nenhum se sustenta. Daí o desalento que sentem e expressam.

    Como lidar com a subjetividade dos modernos trabalhadores brasileiros? Será que as manhas do capital conseguiram enfeitiçá-los definitivamente? Trata-se de um desígnio do rearranjo mundial das forças produtivas, do qual não há fuga possível?

    Evidentemente, poderemos encontrar diferentes respostas para tais perguntas. A primeira delas é que a História não acabou, portanto esse marasmo que vivemos desde o início dos anos 1990 poderá sofrer uma reversão. Mas o que pretendo aqui é simplesmente apontar algumas pistas disponíveis no trabalho denominado “A Vida Precária: bases para a nova submissão”, de autoria do sociólogo Antonio David Cattani, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

    “A história do capitalismo é a história da proeza de poucos fazerem milhões e milhões de indivíduos acordarem cedo, viajarem diariamente uma, duas ou mais horas utilizando transportes coletivos desconfortáveis, permanecerem trancados em espaços de trabalho por oito, nove, dez ou mais horas por dia, executando tarefas penosas repetitivas, destituídas de sentido, recebendo ordens de chefes obtusos e desrespeitosos, e de, apesar de tudo isso, serem remunerados abaixo da sua contribuição para o produto social”, inicia Cattani de forma instigante, e prossegue: “A história do capitalismo é a história da façanha de se fazer milhões e milhões de outros indivíduos buscarem ingressar a todo custo no mercado de trabalho nas mesmas condições”.

    Logo em seguida, o autor assinala que o capitalismo se constituiu enquanto sistema econômico “a ferro e fogo”, que sua implantação foi “marcada por processos repressivos”, pela violência contra os mais fracos e pela “destituição dos produtores diretos de todo e qualquer meio de sobrevivência autônoma”. No entanto, adverte, o sistema não poderia manter-se se utilizasse apenas métodos repressivos. Seu poder e legitimidade decorrem do fato de que, através da organização do trabalho produtivo, o capital demonstrou a capacidade de “controlar, disciplinar e explorar a população ativa de forma aparentemente consentida”.

    Preço alto demais

    Cattani não desconhece os imensos progressos materiais obtidos pelo capitalismo, que terminou por beneficiar vastas segmentos da classe trabalhadora, em diversos aspectos (fruição de bens culturais, maior qualidade de vida, maior escolaridade etc). Porém, o preço que se pagou por estas conquistas materiais e simbólicas foi muito alto, diz ele: “a organização do trabalho sob vários modelos gerenciais, em particular sob o taylorismo-fordismo, acarretou a intensificação da exploração e o embotamento da inteligência devido à divisão do trabalho”. Já estamos, portanto, no terreno da subjetividade do trabalhador, profundamente atingida pelas práticas do capital: “As conseqüências da alienação do trabalho fizeram-se sentir, sobretudo, na resignação, no acomodamento, na aceitação de formas medíocres de disciplinamento que vão além do espaço produtivo, contaminando o conjunto da vida em sociedade”.

    Segundo Cattani, a relação salarial (patrão-empregado) tem como característica política fundamental “o princípio da subordinação, forma moderna da vassalagem, traduzindo-se na renúncia da vontade autônoma”. Para ele, a violência que caracterizou a implantação dessa relação foi gradualmente desaparecendo, “na medida em que os indivíduos foram domesticados”, a ponto de ela haver assumido um caráter aparentemente “natural”.

    Eis aí portanto uma aproximação às questões que levantamos: para ele, esta é a dimensão mais importante do processo: “os princípios de subordinação e as condições de disciplinamento passaram a ser consideradas como inevitáveis” e “o caminho mais eficiente e racional para se conquistar o bem comum”.

    Para encerrar esses breves apontamentos, vale lembrar que, para nosso autor, o segmento mais permeável a essa influência é a juventude: “Hoje os produtores diretos ‘aprendem’ a ser acomodados, a não transgredirem, a não se revoltarem, e sobretudo a não ousarem as alternativas devido à vivência de situações de trabalho precário e à rendição à ideia de que as novas condições do capitalismo sejam o horizonte possível, portanto inevitável, do destino humano. Esse processo não atinge tanto os veteranos do mercado de trabalho que, bem ou mal, viveram social e economicamente nas condições inclusivas do paradigma taylorista-fordista. Suas vítimas são essencialmente os recém-chegados à esfera produtiva, aqueles que estão ingressando na vida ativa e que constituirão em pouco tempo a massa trabalhadora, seja ela no setor formal ou no informal”.

    Pedro Pomar é jornalista, editor da Revista Adusp e doutor em ciências da comunicação.

    Publicado em13/06/2010 no Blog de Rodrigo Vianna
    http://www.rodrigovianna.com.br









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