Notícia
Em janeiro, noticiou-se que a primeira dama do estado de São Paulo, Maria Lúcia Alckmin, a Dona Lu, utilizou as aeronaves oficiais em mais ocasiões do que os 25 secretários juntos.
Entre 2011 e 2015, ela fez 132 viagens, enquanto o secretariado do marido marcou 76. A resposta da assessoria de imprensa foi a de que ela estava cumprindo a agenda do Fundo Social de Solidariedade, entidade que preside.
O DCM obteve a planilha dos vôos através da Lei de Acesso à Informação. Na grande maioria dos passeios, ela voou no helicóptero estacionado no Palácio dos Bandeirantes. Há também um turbo hélice King Air, mas ele fica no Campo de Marte, a 26 quilômetros da sede do governo.
O relatório, porém, traz outro dado importante. Há 65 anotações das aeronaves oficiais relativas a dois endereços: Pindamonhangaba, interior de SP, onde a família tem um sítio, e o Palácio Boa Vista, em Campos do Jordão, residência de inverno e de descanso.
A média é de quase duas viagens por mês no mandato anterior.
Pinda é o berço político de Geraldo e está identificada no documento pelo nome ou pelo local onde está o aeroporto (Fazenda Santa Helena). A cidade fica a 146 quilômetros de São Paulo, ou uma hora e meia de carro.
No patrimônio declarado de Geraldo, de pouco mais de 1 milhão de reais, constam um apartamento no bairro do Morumbi, um carro, aplicações financeiras e a supracitada propriedade rural, subavaliada em 110 959,51 reais.
Uma enviada do DCM esteve no lugar. Abaixo, seu relato:
O sítio fica em Ribeirão Grande, bairro que integra o Caminho da Fé — rota de peregrinos católicos que rumam para a Basílica de Aparecida (SP). É vizinho de uma comunidade formada por Hare Krishnas e adeptos do Santo Daime, cujo nome óbvio é Hare-Daime.
A região tem um resquício de Mata Atlântica e riachos de água limpa e gelada que nascem em Campos do Jordão, a 40 quilômetros. “Durante a semana o zum-zum-zum é por conta dos helicópteros do Cavex (divisão aérea do Exército instalada em Taubaté). Aos finais de semana, quando é helicóptero, normalmente é o governador. E quando é jatinho são os donos da fazenda”, diz um morador.
Sem placa na porteira, o sítio fica próximo de um restaurante de comida caseira. Há vacas e bois no pasto. De acordo com a caseira, o nome do cantinho é “Jataí”.
Em sua picape, o corretor de imóveis ‘Gegê’, como ele se apresenta, conta que seu pai foi um dos pioneiros na área, ainda na década de 20, e foi ele quem vendeu o sítio para os Alckmin.
Ele afirma que um de seus nove irmãos é empreiteiro e construiu não só a casa, de mais de 200 metros quadrados, como a piscina. “Geraldinho [forma pela qual todo o mundo em Pindamonhangaba se refere ao governador] é uma pessoa simples”, fala com certo orgulho.
Os moradores sabem quando Geraldinho está no pedaço. O helicóptero pousa a 10 quilômetros do sítio, em uma pista na Fazenda Santa Helena que está localizada nas imediações da estrada para Campos.
Duas ou três SUVs das cores prata ou preta transportam os seguranças, sendo que uma delas se mantém na porteira.
De acordo com a declaração de bens apresentada ao TSE em em 2014, Alckmin possui um patrimônio de pouco mais de 1 milhão de reais. Na lista está o tal sítio, com 8,4 hectares (84 mil metros quadrados), avaliado em 111 mil reais.
Uma propriedade naquele território com 20 mil metros quadrados, sem nenhuma edificação, se encontra à venda por 200 mil reais. Um pousada por ali com cinco hectares está em oferta por 3 milhões.
A Fazenda Santa Helena, onde se localiza o aeródromo, pertence aos Frering, descendentes de Augusto Trajano de Azevedo Moraes, empresário mineiro que, dentre outras coisas, era dono da Caemi, quarta maior mineradora do mundo nos anos 90.
Com a morte de Azevedo, a Caemi foi comprada pela japonesa Mitsui & Co., que já era dona de 40% das ações – não sem antes ser o motivo de uma disputa judicial feroz pela herança que abalou a sociedade carioca, mesmo tendo o empresário feito a partilha em vida e cada um dos herdeiros ter embolsado, segundo noticiou a imprensa na época, 48 milhões de dólares.
‘Doutor Augusto’ teve um casal de filhos – César, que seria seu sucessor, morto nos anos 70, e Beatriz. Cada um deles teve três filhos. Os de César eram Suzana, Stella e Alexandre. E os de Beatriz, Fábio, Mário e Guilherme. A Fazenda Santa Helena está em nome de Beatriz e de seu filho Fábio. Os dois costumam aparecer ali em um jatinho ao menos uma vez por mês.
Na campanha para o governo paulista de 2014, Guilherme Frering, filho de Beatriz, fez uma doação de 200 mil reais ao PSDB, de acordo com o site meucongressonacional.com. Guilherme é casado com Antônia, filha da lendária socialite carioca Carmen Mayrink Veiga.
Uma funcionária diz que é permitido o pouso e a decolagem de outras aeronaves que não o jato familiar. Ela afirma que não há cobrança de taxas e que isso acaba acarretando em custo para os donos, uma vez que é necessário mobilizar uma equipe para acompanhar os visitantes.
No restaurante Alecrim, que dá para os fundos de onde fica a pista da Santa Helena – protegida dos olhares curiosos por um muro de bambus e árvores, o gerente Thiago recorda do dia do enterro de Thomaz Alckmin (caçula de Geraldo, morto em um acidente aéreo em abril de 2015 e enterrado em Pindamonhangaba).
“A pista da Santa Helena parecia um aeroporto comercial de tanto avião e helicóptero que desceu aqui”, lembra Thiago. Aberto há cinco anos, o restaurante nunca recebeu a visita do governador ou de sua família, apesar do aroma que exala da cozinha com fogão a lenha.
Não há uma regra clara para a disponibilização da frota oficial. Existem apenas normas da Casa Militar, subordinada a seu gabinete, sobre “diárias”.
Cabe à CM “planejar o uso e a operação” para usufruto do “Governador do Estado e da Primeira-Dama, bem como, excepcionalmente, de Secretários de Estado e agentes públicos a serviço”.
O resultado é uma farra patrimonialista. Em meados de 2015, Aécio Neves vaticinou, num comício, que Geraldo Alckmin “ainda alcançará voos muito maiores”.