Midia não fala sobre assembleia da CNBB em que bispos criticam o governo Temer
Autor: SindSaúde-SP
05/05/2017
Crédito Imagem: SindSaúde-SP
No tempo em que havia jornalismo no país, e os jornalistas se empenhavam pelo restabelecimento do Estado Democrático de Direito, atingido pelo golpe civil-militar imposto à nação em abril de 1964, as redações de jornais mantinham repórteres especializados na cobertura da Igreja. Não havia reunião ou assembleia da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), normalmente em Itaici (SP), que não despertasse a atenção dos principais meios de comunicação do país. Sabia-se que os bispos, mesmo divididos entre conservadores e progressistas, ou contra ou pró Teologia da Libertação, sempre se manifestavam politicamente sobre a situação do país.
Um dos sinais da falência do nosso jornalismo atual, nos meios tradicionais de comunicação – a chamada grande imprensa e as televisões, principalmente – está na ausência de qualquer notícia sobre a 55º Assembleia Nacional da CNBB que está ocorrendo em Aparecida (SP). Nem o fato de o Papa Francisco ter, cada vez mais, cobrado da Igreja um engajamento nas lutas sociais em favor dos menos favorecidos, recusado um convite para visitar Aparecida no centenário do aparecimento da imagem da santa e se manifestado criticamente contra as reformas do governo de Michel Temer, tampouco a conturbada situação política por que passa o país foram capazes de atrair a atenção da grande mídia para este encontro. Com isso, os jornais simplesmente ignoraram a Mensagem aos Trabalhadores e Trabalhadoras que a Assembleia dos bispos divulgou, dia 27/04, com um posicionamento totalmente político e bastante forte. O que, certamente, influenciará em muito as votações no Congresso Nacional.
Relembre-se que já não são mais posições isoladas, mas do coletivo dos 370 bispos que estão em Aparecida responsáveis por uma legião de 20.701 sacerdotes, 2.702 religiosos e 30.528 religiosas; os diáconos permanentes são 2.903. Há 1.985 membros leigos de institutos seculares, 144.910 missionários leigos e 483.104 catequistas, espalhados por 10.802 paróquias e 37.827 centros pastorais (segundo dados de julho de 2013, extraídos do artigo O Brasil é o primeiro país do mundo em número de católicos). Na nota, ignorada pela grande imprensa, os bispos afirmam:
“O trabalho não é mercadoria, o trabalhador não pode ser coisificado. Ele é sujeito e tem direito a uma justa remuneração que não se mede apenas pelo custo da força do seu trabalho, mas também pelo direito de uma qualidade de vida digna para ele e para toda a sua família”.
A Nota, porém, não é tudo. Há ainda os pronunciamentos diários, através de coletivas, onde os bispos estão batendo duro no atual governo que assumiu com o golpe parlamentar contra Dilma Rousseff. Não são posições partidárias, mas bastantes políticas, como as externadas pelo uruguaio dom Roberto Francisco Ferrería Paz, bispo da diocese de Campos dos Goytacazes (Norte do Rio de Janeiro), um antigo reduto do que de mais atrasado a Igreja do Brasil teve, a Tradição Família e Propriedade (TFP).
Na conversa com jornalistas, ele foi claro sobre as reformas que o governo vende como benéficas:
“Com elas [reformas] vamos voltar ao capitalismo selvagem. Por isso, precisamos ampliar o debate em nossas paróquias e comunidades. Vamos interferir, intervir através de um laicato que deve ser cada vez mais testemunha na luta contra as injustiças, especialmente daquelas pessoas que realmente precisam”.
E ainda ressaltou que será continuada a luta contra o trabalho semiescravo e escravo que, lamentavelmente, com a globalização está crescendo.
“Que possamos desconstruir essa agenda neoliberal que vem dos anos 60 e 70 com o Consenso de Washington, que o governo atual está levando à risca”, afirmou.
Curioso é que qualquer análise política sobre os próximos passos das reformas que o governo tenta impor goela abaixo da população, obrigatoriamente terá que levar em conta esta nova posição da Igreja. Não se verá mais cardeais rezando com Temer pelas suas reformas, como ocorreu alguns meses atrás. A tendência é de uma maior mobilização, através da capilaridade da Igreja Católica, em oposição às mudanças da forma como elas estão sendo impostas. Mas isto, não foi capaz de despertar o interesse das redações de jornais, revistas e televisões. Mais um desserviço, pela omissão, a seus leitores e telespectadores.
Afinal, a Igreja deixa claro, como informou dom Paz que nunca se assistiu a tamanha retirada de direitos como ocorre com o projeto de Lei 4302, a Lei das Terceirizações, criando e gerando trabalho intermitente.
“A reforma Trabalhista pelo projeto de lei 6787/16, bem como a proposta da PEC 287 que, evidentemente, prejudica seriamente o trabalhador quase que eliminando o sistema previdenciário”, sublinhou.
O próprio dom Paz lembrou que a partir da pregação da Igreja – entenda-se, bispos, padres, missionários -, seus fieis, através das muitas pastorais e movimento internos – irão ampliar “esse debate que faltou em todas essas reformas e projetos”. Ele ainda frisou que reforma sempre indica que algo ficará melhor, mas essas reformas do governo são para recuar direitos fundamentais e sugeriu ampliar o debate nas comunidades de fé pelo protagonismo dos leigos.
No momento em que o governo Temer, receoso e temeroso, começa a punir dissidentes que não o apoiou nas últimas votações ocorridas no Congresso, tal como noticiam nesta terça-feira (02/05) alguns jornais, ele terá que lidar com a oposição da Igreja. Mas, ao que parece, não sabe como fazê-lo pois, segundo a Folha de S. Paulo desta terça-feira, ele pretende distribuir cartilhas à igreja, como se lê na reportagem Governo discute adiar votação da reforma da Previdência:
“Em outra frente, o governo vai intensificar a comunicação. As cartilhas que já foram distribuídas aos parlamentares para explicar a reforma agora serão encaminhadas a entidades formadoras de opinião como OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) e CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil), que já se posicionaram contra a reforma.”
Cartilhas do governo, bancadas por verbas de partidos políticos, como acrescenta a matéria, conseguirão convencer bispos a mudarem de posição?
Veja, abaixo a íntegra da Nota da CNBB:
Mensagem da CNBB aos trabalhadores (as) do Brasil:
‘Encorajamos a organização democrática e mobilizações pacíficas’
AOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS DO BRASIL
“Meu Pai trabalha sempre, portanto também eu trabalho” (Jo 5,17)
A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, reunida, no Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida – SP, em sua 55ª Assembleia Geral Ordinária, se une aos trabalhadores e às trabalhadoras, da cidade e do campo, por ocasião do dia 1º de maio. Brota do nosso coração de pastores um grito de solidariedade em defesa de seus direitos, particularmente dos 13 milhões de desempregados.
O trabalho é fundamental para a dignidade da pessoa, constitui uma dimensão da existência humana sobre a terra. Pelo trabalho, a pessoa participa da obra da criação, contribui para a construção de uma sociedade justa, tornando-se, assim, semelhante a Deus que trabalha sempre.
O trabalhador não é mercadoria, por isso, não pode ser coisificado. Ele é sujeito e tem direito à justa remuneração, que não se mede apenas pelo custo da força de trabalho, mas também pelo direito à qualidade de vida digna.
Ao longo da nossa história, as lutas dos trabalhadores e trabalhadoras pela conquista de direitos contribuíram para a construção de uma nação com ideais republicanos e democráticos.
O dia do trabalhador e da trabalhadora é celebrado, neste ano de 2017, em meio a um ataque sistemático e ostensivo aos direitos conquistados, precarizando as condições de vida, enfraquecendo o Estado e absolutizando o Mercado. Diante disso, dizemos não ao “conceito economicista da sociedade, que procura o lucro egoísta, fora dos parâmetros da justiça social” (Papa Francisco, Audiência Geral, 1º. de maio de 2013).
Nessa lógica perversa do mercado, os Poderes Executivo e Legislativo reduzem o dever do Estado de mediar a relação entre capital e trabalho, e de garantir a proteção social. Exemplos disso são os Projetos de Lei 4302/98 (Lei das Terceirizações) e 6787/16 (Reforma Trabalhista), bem como a Proposta de Emenda à Constituição 287/16 (Reforma da Previdência).
É inaceitável que decisões de tamanha incidência na vida das pessoas e que retiram direitos já conquistados, sejam aprovadas no Congresso Nacional, sem um amplo diálogo com a sociedade.
Irmãos e irmãs, trabalhadores e trabalhadoras, diante da precarização, flexibilização das leis do trabalho e demais perdas oriundas das “reformas”, nossa palavra é de esperança e de fé: nenhum trabalhador sem direitos! Juntamente com a Terra e o Teto, o Trabalho é um direito sagrado, pelo qual vale a pena lutar (Cf. Papa Francisco, Discurso aos Movimentos Populares, 9 de julho de 2015).
Encorajamos a organização democrática e mobilizações pacíficas, em defesa da dignidade e dos direitos de todos os trabalhadores e trabalhadoras, com especial atenção aos mais pobres.
Por intercessão de São José Operário, invocamos a benção de Deus para cada trabalhador e trabalhadora e suas famílias.
Aparecida, 27 de abril de 2017.
Dom Sergio da Rocha
Arcebispo de Brasília
Presidente da CNBB
Dom Murilo Sebastião Ramos Krieger, SCJ
Arcebispo São Salvador da Bahia
Vice-Presidente da CNBB
Dom Leonardo Ulrich Steiner
Bispo Auxiliar de Brasília
Secretário-Geral da CNBB