Notícia
O debate em torno do modelo de gerenciamento da saúde pública adotado pelo governo estadual paulista e pela prefeitura da Capital não se esgota facilmente. Uma de nossas críticas à entrega de hospitais públicos para administração de entidades de caráter privado – as chamadas Organizações Sociais (OSs) – é a suposta superioridade gerencial em relação aos hospitais da administração pública direta.
Para colocar essa questão em uma perspectiva realista, é preciso dizer que os hospitais entregues às OSs dispõem de verbas maiores, o que lhes dá imensa vantagem comparativa. Em 2003, 12 unidades gerenciadas por OSs receberam verbas públicas para cobrir despesas médias de R$ 41 milhões cada uma, enquanto 41 hospitais administrados diretamente pelo poder público tiveram dinheiro para cobrir despesas de apenas R$ 25,2 milhões cada. A comparação de gastos que fazemos inclui, sim, as despesas correntes, investimentos e, obviamente a folha de pagamento dos hospitais administrados pelo Estado. Não tivemos acesso a dados mais recentes.
Nossa comparação inclui hospitais públicos de menor porte, mas também de porte muito maior, como Hospital de Sorocaba, Mandaqui e Emílio Ribas. Podemos avançar nas comparações e apresentar outro dado muito eloqüente, e que confirma o privilégio dado a hospitais administrados por entidades privadas com dinheiro público, em detrimento das unidades genuinamente estatais. Pressionada pela Emenda 29 da Constituição Federal, a receita da Secretaria Estadual da Saúde cresceu 187,18% entre os anos de 1999 a 2004. No entanto, as despesas correntes dos hospitais públicos foram corrigidas em apenas 46,59%, em média, no mesmo período. Não resta dúvida de que o mito da eficácia tem um preço. Mas uma pergunta fica no ar: por que não dar a mesma atenção aos hospitais da administração direta?
As despesas correntes do Centro de Referência da Saúde da Mulher é o exemplo mais triste. Além de nem acompanhar a inflação (INPC) acumulada do período (58,21%), tiveram perda de 0,87%. Já os hospitais administrados por OSs, que são novos ou reformados, receberam mais verba pública, mesmo não realizando procedimentos mais custosos. Um exemplo escandaloso: as OSs não têm leitos reservados para tratamento da Aids.
Quanto ao fato de que as OSs atuam em função de seu equilíbrio financeiro, em nome do qual pode-se inclusive reduzir ou suspender determinados procedimentos médico-hospitalares, gostaríamos que fosse mentira. Mas não é, como comprova relatório da Comissão de Acompanhamento das OSs, também de 2003: “O volume de internações e atendimentos ambulatoriais foi superior ao mesmo período de 2002, observando-se redução nos atendimentos de urgência em hospitais com pronto-socorro do tipo referenciado e em SADT (Serviços Auxiliares de Diagnose e Terapia) externo. Esta redução foi programada pela CCSS (Coordenadoria de Contratação de Serviços de Saúde) e teve como objetivo ajustar a oferta de serviços hospitalares à demanda regional, em atendimento a uma das premissas estratégicas deste tipo de contrato, qual seja a manutenção do equilíbrio financeiro dos hospitais gerenciados por OSS”. (grifos nossos). E lembramos: não tivemos acesso a documentos mais recentes.
A CUT e o Sindsaúde-SP sempre estiveram engajados na luta por um SUS universal, equânime e integral. Por isso estamos sistematicamente denunciando as OSs e sua lógica mercadológica. Quanto vale nossa saúde?
João Felício
Presidente nacional da CUT
Célia Regina Costa
Presidente do Sindsaúde-SP
Publicado no Diário de S.Paulo, 20/02/06