Fundações estatais: na contramão da valorização dos serviços públicos
Autor: CUT
20/08/2007
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O governo apresentou à sociedade, por meio de Projeto de Lei Complementar, a figura da "fundação estatal", como forma de dar ao Poder Público "maior flexibilidade administrativa ao funcionamento de instituições públicas", em áreas como saúde, assistência social, cultura, desporto, ciência e tecnologia, meio ambiente, previdência complementar, comunicação social e turismo.
Tendo em conta a importância do tema para as bases sociais que representamos e para a sociedade brasileira como um todo, vamos reproduzir, com pequenos ajustes, a decisão adotada pela Direção Executiva da Central Única dos Trabalhadores sobre o tema.
Deste modo, é importante resgatar desde logo que, em 1988, os trabalhadores e outros movimentos sociais conseguiram elevar a educação, a saúde, a assistência social e a cultura como direitos previstos na Constituição Federal.
Ainda neste contexto de avanços estabelecidos pela Constituição Brasileira, o Sistema Único de Saúde (SUS), modelo constituído na saúde do Brasil, nas últimas duas décadas, tornou-se referência na prestação de serviços públicos, apesar da falta de verbas, da falta de vontade política e de outros obstáculos. Este modelo foi estruturado como um sistema único, hierarquizado, descentralizado e com base nos princípios da integralidade, equidade, universalidade e controle social. Nele, a própria saúde privada é vista como complementar e não concorrente com a saúde pública.
Paradoxalmente, esteve em curso no Brasil neste mesmo período a implementação de reformas neoliberais que objetivavam reduzir o tamanho do Estado Brasileiro, estreitar suas áreas de atuação e cercear sua capacidade de realização de transferência de renda por meio da diminuição dos gastos sociais, privatizações de empresas públicas e redução dos serviços públicos, entre outros. Entre as várias iniciativas adotadas, está a criação de organismos privados para administrar serviços públicos, tais como as Organizações Sociais (OS) e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). Estas organizações vêm sendo implantadas por diversos governos estaduais, com destaque para os de São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
A apresentação do PLP-01, a Reforma da Previdência e o recente projeto de criação das Fundações Estatais parecem-nos estar na contramão de iniciativas do governo Federal de fortalecer importantes áreas das políticas públicas através da contratação de 30.000 servidores concursados e, sobretudo, da derrota nas urnas em 2002 e 2006 da perspectiva liberalizante e reducionista do setor público.
No caso das fundações estatais, além do PL Complementar recém enviado, cumpre olhar com atenção para o estudo mais detalhado do Ministério do Planejamento, que circulou previamente ao PL, e que deixava mais claro o conjunto de características pretendidas pelo governo para as Fundações estatais. Considerando que estas características continuarão a prevalecer na Lei, tem-se que a regulamentação das fundações estatais estabelecerá que:
a) sejam autorizadas pessoas jurídicas de Direito privado para dirigir e administrar bens públicos (tais como os hospitais);
b) sejam constituídas fundações estatais em áreas "não exclusivas" do Estado, como saúde, assistência social, ciência e tecnologia, meio ambiente, cultura, esporte e previdência complementar;
c) sejam contratados funcionários na forma de concurso público, mas sem a estabilidade no emprego, tendo em vista que o Regime a vigorar será o da CLT;
d) haja a determinação de Plano de Carreira, Cargos e Salários (PCCS) próprios para cada fundação;
e) sejam realizados contratos de gestão com organismos estatais superiores e venda de outros serviços para terceiros;
f) será obrigatória a realização de licitações, mas estas poderão ter regulamento próprio.
De acordo com o que foi veiculado no mencionado estudo e em artigos escritos por membros do governo, a área da saúde será a primeira a implementar este tipo de organização.
Em que pese nossa concordância quanto à necessidade de uma ampla discussão quanto ao papel do Estado, serviços por ele prestados, regime de contratação, lei de licitações e alternativas de personalidades jurídicas relacionadas ao setor público, somos contrários ao PL das fundações estatais. Apontamos os seguintes elementos que embasam nossa posição: 1) as áreas referidas no projeto do governo devem ser vistas, conforme nossa Constituição Federal, como direitos universais e inalienáveis, sendo sua garantia um dever do Estado. O setor privado pode ter uma concessão pública do governo, mas não de caráter "concorrencial" com o Estado; 2) O projeto interrompe a consolidação do SUS e entra em confronto com seus princípios fundamentais; 3) O projeto abandona a perspectiva da construção de uma carreira única para os profissionais da saúde; 4) o fato de que a não previsão da estabilidade para os futuros empregados destas fundações representa a retirada de direitos sociais historicamente conquistados pelos servidores públicos; 5) O controle social não está previsto no projeto da fundação estatal; 6) O projeto da fundação estatal é complementar ao PLP 01, que limita o crescimento dos gastos com a folha de pagamentos do funcionalismo em apenas 1,5%.
Para terminar, cabe dizer que, para nós, é fundamental instrumentalizar o Estado com as devidas condições de flexibilidade e eficiência operacional para que este continue a ser ator central no desenvolvimento econômico e social do país. Para isto, é fundamental valorizar o serviço público e os trabalhadores que aí atuam. Criar "novas figuras jurídicas" com o objetivo principal da precarização do trabalho - traduzida na perda da estabilidade do emprego - não é compatível com o real desenvolvimento que todos pretendemos.
Denise Motta Dau
Secretária Nacional de Organização da CUT
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