Notícia
Após uma longa batalha, a auxiliar de enfermagem Solange Barbosa da Silva, que atua no Posto de Assistência Médica (PAM) Várzea do Carmo, na cidade de São Paulo, finalmente pode oferecer maior suporte e cuidado ao filho de 17 anos com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Isso porque desde o último dia 22, ela exerce o direito à redução em 50% da jornada de trabalho, que agora é cumprida entre 16 e 19 horas, sem que exista redução de salário ou a necessidade de reposição de horas.
A sentença, divulgada em 14 de março, ocorreu após a intensa mobilização do departamento jurídico e dos dirigentes do SindSaúde-SP, que enfrentam a resistência do Estado para fazer valer um direito garantido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
O sindicato acionou a unidade para cobrar a diminuição da carga horária por meio de processo administrativo, que levou mais de um ano para ser respondido e de maneira negativa. A alegação era de que o acesso ao benefício seria exclusividade do funcionalismo em âmbito federal. Mas, em dezembro de 2022, o STF já havia definido que também trabalhadoras e trabalhadores responsáveis por pessoas com deficiência nas esferas estaduais e municipais também poderiam usufruir desse benefício.
Luta contínua
Diante disso, o sindicato obteve uma liminar que exigiria o imediato cumprimento, mas a gestão da unidade recorreu e obteve outra sentença que diminuía o período da jornada em apenas 25%. Contudo, o SindSaúde-SP voltou a recorrer e obteve uma sentença em primeira instância que confirmou a liminar e garantiu a redução de 50% do tempo de trabalho.
Responsável por protocolar a decisão junto ao setor de Recursos Humanos, o diretor da região central da capital do sindicato, Paulo Antonio Marques de Moura, aponta que a principal dificuldade foi a interpretação da Procuradoria do Estado que mantém a interpretação de que não há base legal para aplicar a lei em âmbito estadual, mesmo com a decisão do STF.
“Essa decisão é uma vitória histórica porque se trata da primeira trabalhadora da área da saúde no estado de São Paulo, que consegue garantir esse direito em âmbito estadual e abre caminho para que se faça cumprir a lei”, diz.
Ele defende também a mudança no Estatuto do Servidor para inclusão da norma que reproduza também em âmbito estadual um direito já presente em aspecto federal. “Isso é importante para evitar imbróglios jurídicos e impedir a alegação que as regras não estão garantidas também nos estados. Não podemos esquecer de quem falamos, a maioria do funcionalismo da Saúde é composto por mulher, que já tem característica de precisar conviver dupla jornada e muitas vezes, tripla jornada, porque precisam de dois empregos diante dos baixos salários pago pelo Estado”, aponta.
A conquista encampada pelo SindSaúde-SP, conta Solange, permitiu matricular o filho em um curso técnico, fundamental para garantir maior autonomia.
“Meu filho não anda sozinho e com a redução da jornada eu pude colocá-lo para estudar. Agora eu consigo acompanha-lo, levando até a escola e estimulando para que continue estudando”, afirma.
Apoio às cuidadoras
A redução da jornada é uma ferramenta fundamental para Solange, que atravessa a cidade para levar o filho à psicoterapia, o deixava em casa e voltava ao trabalho, que fica na região central. Sem o pai do adolescente para dividir a responsabilidade, ela tinha de lidar com a sobrecarga do trabalho, a rotina do filho e os cuidados do lar.
Solange conta que o adolescente também precisa fazer mais dois tipos de atendimento especializado com um terapeuta ocupacional e outro com uma psicopedagoga, mas que até o momento não estava conseguindo conciliar as agendas com o horário de seu trabalho.
Por conta da rotina atribulada, muitas vezes, acabava pedindo para os avós ajudá-los, mas devido à idade avançada já não é mais uma opção viável.
Além disso, o adolescente foi diagnosticado com Artrite Idiopática Juvenil (AIJ), que o deixou com problemas de locomoção.
A trabalhadora conta que tentou entrar com o pedido administrativamente duas vezes, em 2021 e 2023, mas foram negados. Foi quando recebeu a orientação da delegada sindical de base, Rosemeire Ribeiro, e da diretora de Saúde do Trabalhador do SindSaúde-SP, Janaína Luna, ambas trabalhadoras do PAM, que apresentaram a possibilidade de tentar garantir o direito na Justiça.
Após orientação dos diretores do SindSaúde-SP, Solange teve o respaldo do departamento jurídico do Sindicato. A trabalhadora, que também contou com o suporte do diretor da região centro, Paulo Moura, explica que o processo foi muito rápido e em menos um mês já estava com a liminar em mãos.
Na liminar, concedida em 21 de novembro, o juiz Luiz Fernando Rodrigues Guerra da 1ª Vara da Fazenda Pública afirmou que o pedido da trabalhadora não havia como ser contestado pelo Estado.
Casos semelhantes ao de Solange e seu filho já estão sendo julgados procedentes. Em setembro do ano passado, o Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 7ª Região, no Ceará reconheceu o direito de outra mãe atípica (termo utilizado para chamar a atenção da sociedade para as necessidades da pessoa que cuida de alguém com deficiência) ao direito da jornada especial.
No processo, a desembargadora Regina Gláucia Cavalcante avaliou que é dever do Estado e da sociedade promover, proteger e assegurar o exercício pleno de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais das pessoas com deficiência.